quarta-feira, outubro 31, 2012
e cansada, cansada, cansada de todas as noites que não vi nascer em tua companhia, cansada de todos os amanheceres em que você não está, e cansada de acordar de manhã e não sentir seu hálito num beijo com vergonha de dar bom dia por não ter ainda escovado os dentes, e cansada de todo o fogo que ficou longe, que definhou, que apagou, que perdeu o cio, e cansada de estar no cio ainda, e cansada de não saber o que faço com minhas explosões de hormônios quando você não está, cansada de querer dar-lhe toda o amor do mundo, cansada de querer dar-lhe tanta cama e mesa, cansada de saber que eu remendaria suas calças velhas sorrindo, se preciso fosse, que eu lavaria tuas roupas, que até o cheiro do teu suor meu nariz aprendeu a identificar no meio de uma multidão, cansada de saber que seu eu trabalhasse num prostíbulo, eu saberia do teu cheiro mesmo entre mil cheiros, e que eu saberia em quais lençóis você esteve, porque conheço os vestígios que o teu corpo deixa, porque não me esqueci de nada, porque eu conheço o grau exato das curvas de cada fio do teu cabelo com a precisão de um estudo de geometria, cansada de saber da tua pele, de cada lugar onde ela é áspera e onde não é, porque essas informações ficaram inscritas nas minhas mãos, porque teu nome está nas minhas palmas, porque fui eu quem te ensinei a escrever o teu, cansada de montar coreografias para minhas apresentações de dança sentindo que meu próprio sangue me escorre pelas pernas, cansada de meu útero oco, cansada de meu coração cheio, cansada de pensar em tudo o que não vivemos e que você provavelmente viveu com cada uma daquelas que passaram pela tua vida, cansada de sentir ódio delas, mesmo não as conhecendo, porque cometeram o delito de terem sido amadas por você, e vou morrer sem poder ser acusada deste crime, cansada de saber que sou água e queria ter sido tua terra, cansada de meu peito ser um esquife, um ataúde, cansada dos mortos que carrego, cansada de você ter vindo e não ter ficado, cansada de procurar soluções em todos os lugares, rezado para todos os santos, lido todos os livros e teorias e ter descoberto que nada remedia a morte do amor, cansada de não ter tido uma vida a dois com você, de não ter tido a oportunidade de ir com você ao supermercado para comprar as coisas do jantar, porque a mesa aqui estava sempre posta, a cama estava sempre posta, eu estava sempre posta, minha vida estava sempre posta, e a tua nunca esteve
terça-feira, outubro 30, 2012
Mais um bilhete que nunca chegará às tuas mãos
Eu vejo o dia, o mês, o ano,
- por que viver, sem ser preciso?
Eu não te minto, eu não te engano
eu não te finjo: - eu agonizo.
Cecília Meireles
in: Canções.
Salaam
Layla
- por que viver, sem ser preciso?
Eu não te minto, eu não te engano
eu não te finjo: - eu agonizo.
Cecília Meireles
in: Canções.
Salaam
Layla
domingo, outubro 21, 2012
Entardecer, Ghada Shbeir, copo de chá.
Saudade é um entardecer de domingo.
E eu daria a minha vida para ver a lua subindo sem medo de uma despedida.
Bhibak,
Layla
E eu daria a minha vida para ver a lua subindo sem medo de uma despedida.
Bhibak,
Layla
sábado, outubro 20, 2012
Ainda sonhar - ou mais um bilhete
Incrível minha capacidade de prosseguir. Eu também não sabia que a possuía nesse grau. Porque embora o que me fere, me dói, embora essa quantidade imensa de lâminas a me atravessar a garganta, eu continuo amando, e isto não significa ingenuidade. Pelo contrário. Amor "a despeito" de minha falta de ingenuidade. A despeito de meu senso de realidade. Continuo limpando os cortes. Vendo-os cicatrizar. O sangue estanca, endurece, enegrece-se e, quando a dor abranda, pele nova há por baixo. Nova pele. Novos cortes. E tudo cicatriza de novo. Um contínuo cortar e fechar. Corta-se, eu remendo. Eu remendo.
Remendo e ainda consigo sorrir a cada oportunidade que tenho de continuar a verter amor pelas pontas dos dedos. E esse amor escapa, derrama-se em minha comida, em minhas cartas, derrama-se em qualquer ínfima atitude que possa lhe arrancar um sorriso.
Parece que vou andando como louca, atravessado um vendaval de mentira, discórdia, um vendaval de tudo aquilo que existe e que transforma este mundo em terra frágil. Como louca, prossigo, se eu não te encontrar ao fim da neblina, ao menos não terei feito parte desse coro triste.
É noite, a despeito de tudo, sonho.
Salaam
Layla
Remendo e ainda consigo sorrir a cada oportunidade que tenho de continuar a verter amor pelas pontas dos dedos. E esse amor escapa, derrama-se em minha comida, em minhas cartas, derrama-se em qualquer ínfima atitude que possa lhe arrancar um sorriso.
Parece que vou andando como louca, atravessado um vendaval de mentira, discórdia, um vendaval de tudo aquilo que existe e que transforma este mundo em terra frágil. Como louca, prossigo, se eu não te encontrar ao fim da neblina, ao menos não terei feito parte desse coro triste.
É noite, a despeito de tudo, sonho.
Salaam
Layla
quinta-feira, outubro 18, 2012
Crua
"Há sempre um lado que pesa e outro lado que flutua".
(Onde está meu lado que flutua?)
"Por isso, não se esqueça, dói".
Salaam
Layla
quarta-feira, outubro 17, 2012
03:26
A coisa mais triste dessa beira de abismo é estar acordada às 03:26 sentindo um amor profundo e inominável, que jamais será colocado num envelope e entregue a seu destinatário.
Ausente.
Mudou-se.
Mudou-se.
Recusado.
Todas as alternativas acima.
Salaam
Layla
segunda-feira, outubro 08, 2012
No tengo lugar
No tengo lugar
No tengo paisage
Y aún menos tengo patria
Con mis dedos hago el fuego
Y con mi corazón te canto
Las cuerdas de mi corazón lloran
Nací en Álamo, nací en Álamo,
No tengo lugar
No tengo paisage
Y aún menos tengo patria,
Nací en Álamo, nací en Álamo
Ay, cuando cantas
Y con tus olores
Nuestras mujeres te hechizan..."
"E eu sou amor inteira".
Mais nada.
Salaam
Layla
quarta-feira, outubro 03, 2012
Cuánto será mi dolor
E todas as vezes que abro a blusa e, diante do espelho, vejo seios e pus, ao menos sei que não estou sozinha. Talvez a sombra de velhas índias que já morreram, de mulheres palestinas que perderam tudo; talvez o vulto de Frida Kahlo e de Violeta Parra me observem assim, com ternura, dizendo-me: vai, faz tua parte no mundo, a dor agora é tua, deixa que ela fecunde tudo, canta a tua dor, vive a tua dor, a dor é para os grandes... Os pequenos são poupados pelas mães, os pequenos não doém, dor é coisa de mulher, se você fosse menina não doía... Vá viver a sua dor, vá chorar a sua dor, chore em nosso nome, chore o que não tivemos tempo de chorar, chore os nossos ovários, que assim você ganha músculos, chore as suas vísceras, chore as nossas mortes e as tuas...
E aos 32 anos eu descubro o que é ser mulher, o que é ter os fios do corpo tecidos de Yin, o que é carregar esse lastro psíquico, essa longa cauda histórica, sauriana, atrás do meu útero... Aos 32 anos descubro que é como mulher que eu sinto e que eu vivo, que não é na cabeça que resolvo minhas coisas - embora minha cabeça vá sempre na frente - , é nos meus ovários, é na minha carne, é no meu estômago, nos meus pulmões; meus pulmões estão cheios de sentimento, meu amor se espalha pelos meus intestinos e virilhas, meu amor anda dentro do meu corpo, desce pelos pés, toma minhas mãos, me faz cozinhar, preparar o chá, e escrever cartas diárias que nunca serão entregues ao seu destinatário, embora possam, quem sabe, parar na retina doutros olhos, que se reconhecerão nos meus infernos e se sentirão menos sozinhos.
Eu não vou pulverizar minha dor... Recuso-me a desdizê-la, eu que carrego um cemitério no peito, dou-me o direito de chorar os meus mortos, botar-lhes flores pacientemente, dizer que queria que ficassem, que não tivessem ido... Dou-me o insano direito de preparar a mesa para esses mortos, acreditar clownescamente que não morreram, esperá-los para a ceia, dou-me o direito... Não quero ser essa pessoa asséptica, sem dor, sem flagelo, sem cortes, eu quero que vejam meus cortes, porque eles me definem, e é em nome deles que eu acordo todos os dias, em nome do que me falta, em nome do que apodreceu, que jaz no chão, esperando ser decomposto em matéria úmida, em nome da flor que nascerá ali...
É que a tua foto vai ficando amarelada de tanto eu passar a mão, de tanto eu fazer carinho, é isso... Ela foi perdendo a cor, de tanto ganhar carinho... De tanto ganhar carinho, foi perdendo os contornos, do toque das minhas mãos, do toque das minhas mãos, do meu açúcar, do toque das minhas mãos, do meu tempero, do meu doce, do toque das minhas mãos... Eu separei, separei um pote de halewi para te oferecer, mas você não come mais açúcar...
Maldigo luna y paisage,
los pueblos y los desiertos,
maldigo muerto por muerto
y el vivo de rey a paje,
las aves con su plumaje
las maldigo a sangre fría,
las aulas, las sacristías,
porque me aqueja un dolor.
Maldigo el vocablo amor
con toda su brujería,
cuánto será mi dolor.
E aos 32 anos eu descubro o que é ser mulher, o que é ter os fios do corpo tecidos de Yin, o que é carregar esse lastro psíquico, essa longa cauda histórica, sauriana, atrás do meu útero... Aos 32 anos descubro que é como mulher que eu sinto e que eu vivo, que não é na cabeça que resolvo minhas coisas - embora minha cabeça vá sempre na frente - , é nos meus ovários, é na minha carne, é no meu estômago, nos meus pulmões; meus pulmões estão cheios de sentimento, meu amor se espalha pelos meus intestinos e virilhas, meu amor anda dentro do meu corpo, desce pelos pés, toma minhas mãos, me faz cozinhar, preparar o chá, e escrever cartas diárias que nunca serão entregues ao seu destinatário, embora possam, quem sabe, parar na retina doutros olhos, que se reconhecerão nos meus infernos e se sentirão menos sozinhos.
Eu não vou pulverizar minha dor... Recuso-me a desdizê-la, eu que carrego um cemitério no peito, dou-me o direito de chorar os meus mortos, botar-lhes flores pacientemente, dizer que queria que ficassem, que não tivessem ido... Dou-me o insano direito de preparar a mesa para esses mortos, acreditar clownescamente que não morreram, esperá-los para a ceia, dou-me o direito... Não quero ser essa pessoa asséptica, sem dor, sem flagelo, sem cortes, eu quero que vejam meus cortes, porque eles me definem, e é em nome deles que eu acordo todos os dias, em nome do que me falta, em nome do que apodreceu, que jaz no chão, esperando ser decomposto em matéria úmida, em nome da flor que nascerá ali...
É que a tua foto vai ficando amarelada de tanto eu passar a mão, de tanto eu fazer carinho, é isso... Ela foi perdendo a cor, de tanto ganhar carinho... De tanto ganhar carinho, foi perdendo os contornos, do toque das minhas mãos, do toque das minhas mãos, do meu açúcar, do toque das minhas mãos, do meu tempero, do meu doce, do toque das minhas mãos... Eu separei, separei um pote de halewi para te oferecer, mas você não come mais açúcar...
Maldigo luna y paisage,
los pueblos y los desiertos,
maldigo muerto por muerto
y el vivo de rey a paje,
las aves con su plumaje
las maldigo a sangre fría,
las aulas, las sacristías,
porque me aqueja un dolor.
Maldigo el vocablo amor
con toda su brujería,
cuánto será mi dolor.
terça-feira, outubro 02, 2012
4:50 da manhã
- E você não vê problema em morar na frente do cemitério?
- Não. Tenho problema com os cadáveres insepultos que moram aqui, no meu peito.
Salaam
Layla
Layla
segunda-feira, outubro 01, 2012
quinta-feira, setembro 27, 2012
Do meu melhor - ou mais um bilhete
E então eu acrescentava a farinha, depois de dissolvido o fermento no leite morno...
A manteiga, o sal, o açúcar. E mexia tudo delicadamente, com as pontas dos dedos, os dedos cobertos de fuligem branca. Encorpava com mais farinha até dar o ponto, polvilhava a mesa e ali, sob minhas mãos, a massa ia nascendo, forjada em amistosa e suave violência. Depois, um tempo para respirar, "que massa é que nem gente: se não respira, endurece"*. Eu fumava um cigarro, depois picava as cebolas, depois desencaroçava as azeitonas suavemente na palma da mão, como me ensinaram. Picava tomates em pedaços miúdos; os tomates, eu sempre pensei, são corações, pois cortados ao meio, têm quatro câmaras... Misturava à carne isso tudo, botava a carne para curtir no limão, ela ficava lá, absorvendo os temperos, o zatar, o sumac.
Que eu sei que quando ficar velha, serei uma velha árabe que faz setenta esfihas em uma hora. Que quando ficar velha, saberei qual foi minha obra-prima nesta vida. Não foram as duas faculdades, um mestrado - quiçá, terei feito ainda um doutorado, e sabe-se mais o quê. Nada disso. O que sei fazer de melhor é enfarinhar as mãos, fazer as esfihas que servirei no homus que eu preparei antes - ardido como nunca, quase duas cabeças de alho lá dentro, limão ao ponto do insuportável, e este era meu homus, era aquele que quem comia tinha vontade de correr três dias, eu já avisava.
Minha obra-prima em vida não são os livros que li. E li boa quantidade. Até morrer, terei lido mais ainda. Nada disso. Meu melhor legado terá sido a forma como alimentei, e como amei aos meus. O que sei fazer, a melhor especialidade, é esperar-te com este chá de jasmim, esse café com cardamomo. E ouvidos. Ouvidos de ouvir. Coração de escutar. Olhos de não conhecer calendário, porque para eles o tempo não existe. Aconteça o que acontecer, a massa será sovada, a farinha chamuscará minha roupa, minhas unhas ficarão brancas, o chá será servido, há hortelã na geladeira, vou colocar no suco, os assados estarão cheirando, o forno tornará os dez graus da noite mais brandos, meu coração tornará o mundo suportável, porque, aconteça o acontecer, e não me importa teu desamor, eu acordarei e te cobrirei quando estiver frio.
Ana bhibak,
Layla.
(Ao som de Anouar Brahem, "The astounding eyes of Rita", do álbum homônimo dedicado a Mahmoud Darwish).
(*Para compreender melhor esta frase, recorrer a um grande filme, obra de indizível delicadeza: "Histórias que só existem quando lembradas", direção de Júlia Murat, 2011).
A manteiga, o sal, o açúcar. E mexia tudo delicadamente, com as pontas dos dedos, os dedos cobertos de fuligem branca. Encorpava com mais farinha até dar o ponto, polvilhava a mesa e ali, sob minhas mãos, a massa ia nascendo, forjada em amistosa e suave violência. Depois, um tempo para respirar, "que massa é que nem gente: se não respira, endurece"*. Eu fumava um cigarro, depois picava as cebolas, depois desencaroçava as azeitonas suavemente na palma da mão, como me ensinaram. Picava tomates em pedaços miúdos; os tomates, eu sempre pensei, são corações, pois cortados ao meio, têm quatro câmaras... Misturava à carne isso tudo, botava a carne para curtir no limão, ela ficava lá, absorvendo os temperos, o zatar, o sumac.
Que eu sei que quando ficar velha, serei uma velha árabe que faz setenta esfihas em uma hora. Que quando ficar velha, saberei qual foi minha obra-prima nesta vida. Não foram as duas faculdades, um mestrado - quiçá, terei feito ainda um doutorado, e sabe-se mais o quê. Nada disso. O que sei fazer de melhor é enfarinhar as mãos, fazer as esfihas que servirei no homus que eu preparei antes - ardido como nunca, quase duas cabeças de alho lá dentro, limão ao ponto do insuportável, e este era meu homus, era aquele que quem comia tinha vontade de correr três dias, eu já avisava.
Minha obra-prima em vida não são os livros que li. E li boa quantidade. Até morrer, terei lido mais ainda. Nada disso. Meu melhor legado terá sido a forma como alimentei, e como amei aos meus. O que sei fazer, a melhor especialidade, é esperar-te com este chá de jasmim, esse café com cardamomo. E ouvidos. Ouvidos de ouvir. Coração de escutar. Olhos de não conhecer calendário, porque para eles o tempo não existe. Aconteça o que acontecer, a massa será sovada, a farinha chamuscará minha roupa, minhas unhas ficarão brancas, o chá será servido, há hortelã na geladeira, vou colocar no suco, os assados estarão cheirando, o forno tornará os dez graus da noite mais brandos, meu coração tornará o mundo suportável, porque, aconteça o acontecer, e não me importa teu desamor, eu acordarei e te cobrirei quando estiver frio.
Ana bhibak,
Layla.
(Ao som de Anouar Brahem, "The astounding eyes of Rita", do álbum homônimo dedicado a Mahmoud Darwish).
(*Para compreender melhor esta frase, recorrer a um grande filme, obra de indizível delicadeza: "Histórias que só existem quando lembradas", direção de Júlia Murat, 2011).
quarta-feira, setembro 26, 2012
Um terceiro bilhete
No último cigarro do dia, à janela, assombra-me minha teimosia.
Essa obstinação que persiste mesmo num cenário desértico.
E isto é herança árabe. Sobreviver no inóspito.
Arrancar o sustento dentre as pedras.
Comer frutas secas e leite que azedou, transformá-los em iguarias.
São teimosos.
Assim como eu, porque sou uma deles.
Assim como eu, que reluto em te enterrar, em te alijar dos meus olhos,
mesmo neste cenário desolador que é a
fatídica condição de não-amor.
Teimo em nascer todos os dias,
mesmo que essa falta venha me ferir de morte,
todas as noites.
Por esperança e teimosia
continuo recebendo da vida meu direito de respirar.
Ana bhibak
Layla
terça-feira, setembro 25, 2012
Um segundo bilhete
Em todas as madrugadas, me alimento do teu rosto, do som da tua voz, dos cachos dos teus cabelos. De cada imperfeição na pele, de cada cicatriz, das tuas tatuagens. Em cada madrugada me alimento da tua argúcia, do teu vocabulário ora cheio de rancor, ora cheio daquele mel quase translúcido em que se mergulham os doces árabes. Da tua ambivalência. Dos teus porões obscuros e da tua luminosidade, me alimento. Me alimento da sensação dos teus pés enroscados aos meus.
Esteja você presente ou não, são as tâmaras dos teus olhos que abrandam meus infernos, em todas as circunstâncias. Das tuas mãos vieram as romãs do meu Hades. E agora já não posso partir. Já não quero.
Salaam
Layla
quarta-feira, setembro 19, 2012
quarta-feira, agosto 15, 2012
A mulher e a casa
Tua sedução é menos
de mulher do que de casa:
pois vem de como é por dentro
ou por detrás da fachada.
Mesmo quando ela possui
tua plácida elegância,
esse teu reboco claro,
riso franco de varandas,
uma casa não é nunca
só para ser contemplada;
melhor: somente por dentro
é possível contemplá-la.
Seduz pelo que é dentro,
ou será, quando se abra;
pelo que pode ser dentro
de suas paredes fechadas;
pelo que dentro fizeram
com seus vazios, com o nada;
pelos espaços de dentro,
não pelo que dentro guarda;
pelos espaços de dentro:
seus recintos, suas áreas,
organizando-se dentro
em corredores e salas,
os quais sugerindo ao homem
estâncias aconchegadas,
paredes bem revestidas
ou recessos bons de cavas,
exercem sobre esse homem
efeito igual ao que causas:
a vontade de corrê-la
por dentro, de visitá-la.
João Cabral de Melo Neto,
in: "Quaderna"
Pergunto-me o que farei com meus "espaços de dentro", com meus "vazios", com o "nada". Meus recintos e áreas, meus corredores e salas.
Que não há maior alegria para uma mulher-casa que ter suas varandas rasgadas pelo encontro, por uma visita inesperada. Tais como as visitas noturnas que trazem consigo uma espécie de felicidade lunar, uma luminosidade níger.
Que minhas íris necessitam ser cortadas de novo por esse fio de azeite, essa lâmina dourada de beleza que emanasse de outros olhos-tâmara.
A espera, aprende-se. Dança-se a espera. Come-se.
Salaam
Layla