quinta-feira, dezembro 29, 2005

Do pôr-do-sol na velha estação

Acaba de chover, e é doce pisar com os pés o chão molhado. É bom tirar os sapatos, sentir a terra, caminhar a esmo. Como diria Clarissa Estés, a mulher selvagem geralmente gosta de perambular. É meu caso.

Caminho pela velha estação de trem, onde passei tantos momentos da adolescência. É uma construção já abandonada, o que a torna ainda mais agradável. O ar nostálgico me é incrivelmente familiar. O trem velho, parado, me convida ao que fiz tantas vezes, por volta dos 15 anos de idade: subir em cima dele e ver o sol cair. O céu multicolorido, numa mescla de tons rosáceos que causaria tristeza a Monet. E quando o sol vai dormir, aparecem as estrelas, a fitar o mundo escuro com milhões de olhos.

Distante de tudo e de todos, eu fito também o mundo com meus olhos vagos. Sobram-me recordações de todo tipo, tanto doces, quanto deveras amargas... Recolho-as todas dentro de mim – “São minha vida... Ninguém me poderá tomá-las”. Recolho os sonhos felizes e os malogrados, as juras de amor e as despedidas. São parte de mim, são o relicário que carrego nos olhos. Recolho as músicas em francês e os poemas em russo. Recolho as velhas canções árabes.

São meus pedaços.

Não tenho vontade de trocá-los por nada. Nem por uma vida de anestésica e perene felicidade. A mulher que sou hoje é também resultado de suas profundas cicatrizes. Alguns cortes tão profundos, costurados à mão, entre gritos de dor... E alguns momentos de tanta alegria, que merecem ser emoldurados ao som da nona sinfonia de Beethoven. Eu sou o resultado disto tudo.

Sinto-me bem, aqui comigo... Sinto pinceladas de uma esperança nascente. Tenho a sensação de que não estou só.

Salaam
Layla

quinta-feira, dezembro 22, 2005

A valsa na sala

Turbilhão de sentimentos.

Hoje, arrumando a casa, dedicando-me aos retoques finais da mudança, mandei instalarem a televisão – mais precisamente, conectá-la à antena do prédio, pois não sei mexer com essas coisas. Quando liguei o aparelho, a primeira imagem sintonizada foi uma novela dessas que passam à tarde. Como se tratava de ambiente histórico, trajes antigos e outras baboseiras de que gosto tanto, sentei-me por um minuto, e observei a cena.

Um casal, em um sobrado, de mãos dadas. O rapaz convida a moça para ir até a janela e, quando ela olha para baixo, inicia-se uma serenata sem voz, com quatro músicos tocando instrumentos de corda. Quando a música cortou o ar noturno da cena, o rapaz e a moça desceram à calçada e, junto dos músicos, valsaram. Para a moça, só existiam os olhos do amado, que ela fitava como se estivesse hipnotizada. Para o rapaz, só existiam os olhos da moça. E na dança, poder-se-ia imaginar que mesmo os músicos se apagaram, que a rua desapareceu e que as estrelas sumiram. Naquele momento, só havia os olhos um do outro. O resto era sem importância.

Neste momento, eu chorei. Chorei por desejar aquela valsa. Por desejar aquela troca de olhares, por desejar o mergulho nas profundezas inescrutáveis da íris alheia, o doce e desejável naufrágio. A emoção do reencontro.

Hoje eu queria um convite para uma valsa. Nem que fosse uma valsa no meio da sala, sem quatro músicos à sacada, mas apenas o cd no micro sistem. O vestido do século XIX poderia ser substituído por minhas vestes costumeiras, e ainda assim, o encanto não se perderia.

Uma valsa na sala, às quatro da manhã... Até a lua e as estrelas se renderiam, e aproximar-se-iam de minha janela, a contemplar sorrindo meu quimérico baile.

Salaam
Layla

quarta-feira, dezembro 14, 2005

Mudanças

Entre caixas e pacotes, aqui estou eu, depois de tanto tempo, a escrever. Escrevo do meio da casa desarrumada, na última noite que aqui passarei. Meus pertences estão esperando para serem levados, amanhã de manhã, para a casa nova. Depois de dois anos, voltarei a morar sozinha. Como eu queria. É uma sensação estranha: um misto de liberdade e de solidão, combinados de forma nem sempre equilibrada. A verdade é que, mesmo morando com minha irmã, eu me senti muito só nesses dois anos.

Acompanhando a mudança de casa, mudo também de blog. Quer dizer, o blog é o mesmo, mudei apenas o template e o provedor. Também, estava impossível agüentar os péssimos serviços do weblogger. E já era hora de renovar, mudar de ares.

Espero sinceramente que meus posts aqui sejam menos melancólicos que no blog anterior. Na verdade, acho que meu blog se tornou conhecido por exalar tamanha melancolia. De Cecília Meireles a Fernando Pessoa, percebi que o tom mais comum dos meus posts era o pretérito imperfeito, repleto de “como eu queria”, “como seria”, “como faria”... Por Deus, eu quero ser feliz. Acho que tenho esse direito, essa possibilidade de escolha. Lembrei-me de minha conversa com meu querido sheikh nesse fim de semana. Ele me disse: “Filha, nesta vida, o homem tem o direito de procurar aquilo que deve fazê-lo feliz. Se é feliz morando sozinha, more sozinha... Mas tem que ser feliz, tem que ser sempre feliz, filha”. Bem, na imensa maioria das vezes, eu não costumo discordar desse homem.

Sei que dezembro é um mês onde se processarão grandes decisões. Estou tensa devido a isto. Mas eu confio no Destino.

Salaam
Layla