domingo, agosto 20, 2006

Sobre ler-se nos outros - II

"Mas não há pequenos acontecimentos para o coração; este amplifica tudo; põe na mesma balança a queda de um império de catorze anos e a queda de uma luva de mulher, e quase sempre a luva pesa mais que o império. Eis aí os fatos em toda a sua simplicidade positiva. Depois dos fatos virão as emoções."

Honoré de Balzac, em "A Duquesa de Langeais", Editora L&PM, 2006.

A queda da luva, a mão que segura o cigarro, o maço amassado sobre a mesa onde jazem coisas inertes. Inertes e vivas, tão vivas, que cada pequena coisa conta sua história com inegável eloqüência. É como se cada coisa falasse do que viveu, do que viu, das cenas desenroladas no quotidiano fugidio, que passa leve como uma folha que voa, como o vento que empurra brancas velas de navio.

Balzac era um notável conhecedor do peso das coisas ínfimas. Sou obrigada a concordar que os restos de uma vela acesa são mais importantes que o fogo roubado por Prometeu, porque na vela eu vejo, intimamente, pedaços da minha história refletida.

Salaam
Layla

domingo, agosto 13, 2006

Sobre ler-se nos outros

Os dedos sobre o teu peito... A tactear, na exacta medida de cada dedo o correspondente de pele, de tecido, de cabelo em ti. Cada bocadinho de pele. Imaginas como ressoa em mim cada toque que te dou, que me dás? O que é para mim olhar e ver nos teus olhos o calor que arde em mim? Imaginas o eco que se expande no meu interior por tocar no que ressoa dentro de ti?...

Lido e sentido aqui:

http://husanteu.blogspirit.com/archive/2005/05/index.html

Um blog magnificamente sensível, de terras d'além-mar. Não pude evitar fechar os olhos e ir-me longe, após ler cada linha como esta aí de cima.

Salaam
Layla

quarta-feira, agosto 02, 2006

Desejo é fome, é o fogo que respiro

Take me now, baby, here as I am
Hold me close, and try and understand
Desire is hunger is the fire I breathe
Love is a banquet on which we feed

Come on now, try and understand
The way I feel under your command
Take my hand, as the sun descends
They can't hurt you now, can't hurt you now,
Can't hurt you now...

Because the night belongs to lovers,
Because the night belongs to us
Because the night belongs to lovers,
Because the night belongs to us

Have I a doubt, baby, when I'm alone
Love is a ring, a telephone
Love is an angel, disguised as lust
Here in our bed until the morning comes

Come on now, try and understand
The way I feel under your command
Take my hand, as the sun descends
They can't hurt you now, can't hurt you now,
Can't hurt you now...

Because the night belongs to lovers,
Because the night belongs to us
Because the night belongs to lovers,
Because the night belongs to us

With love we sleep,
with doubt the vicious circle turns, and burns
Without you, oh I cannot live,
Forgive the yearning burning
I believe it's time to heal to feel,
So take me now, take me now, take me now...

Because the night belongs to lovers
Because the night belongs to us
Because the night belongs to lovers
Because the night belongs to us.

(“Because the Night”, 10 000 Maniacs)


(Em português:)

Me aceite agora, baby, aqui como eu sou.
Me abrace forte, experimente e entenda.
Desejo é fome, é o fogo que respiro,
Amor é um banquete no qual nos alimentamos.

Venha agora, experimente e entenda
O modo como me sinto sob o seu domínio
Pegue minha mão enquanto o sol desce,
Eles não podem te magoar agora,
Não podem te magoar agora,
Não podem te magoar agora...

Porque a noite pertence aos amantes,
Porque a noite pertence a nós
Porque a noite pertence aos amantes,
Porque a noite pertence a nós

Eu tenho duvidado, quando estou sozinho?
O amor é um toque do telefone
O amor é um anjo disfarçado como luxúria
Aqui em nossa cama, até que a manhã chegue.

Venha agora, experimente e entenda
O modo como me sinto sob o seu domínio
Pegue minha mão enquanto o sol desce,
Eles não podem te magoar agora,
Não podem te magoar agora,
Não podem te magoar agora...

Porque a noite pertence aos amantes,
Porque a noite pertence a nós
Porque a noite pertence aos amantes,
Porque a noite pertence a nós

Com amor nós adormecemos
Com a dúvida, o círculo vicioso gira e queima.
Sem você eu não posso viver,
Perdoe, a saudade queima...
Eu creio que é hora de curar, de sentir,
Então me aceite agora, me aceite agora,
Me aceite agora...

Porque a noite pertence aos amantes,
Porque a noite pertence a nós
Porque a noite pertence aos amantes,
Porque a noite pertence a nós...


Existem braços que, mesmo quando vão embora, não vão. Fazem-se presentes, sobremodo, e é possível sentir o abraço ainda na ausência. Há braços que deixam-se ao redor, mesmo quando caminham para longe. É como se dissessem: nós vamos, mas o abraço fica.

O abraço fica, para que se lembre da sede, da fome. Para que se lembre de como é saciar a sede, e saciar a fome. Para que se tenha sede e fome novamente, e que se espere, novamente, saciá-las.

Sempre gostei deveras desta canção. De seus violoncelos que crescem absurdamente, e me cortam ao meio. Dessa letra absurdamente simples, e absurdamente lasciva, a meu ver. “Entenda como me sinto sob o seu domínio”. Gosto dessa frase, sobre todas as outras. É que se planeja sempre o controle da situação, em tudo na vida. Busca-se o leme, busca-se a direção. Bobagem. Felicidade é deixar-se guiar, às vezes, ainda que não se saiba para onde. Deixar-se guiar por mãos alheias. Dizer: “me leve... Qualquer que seja o lugar”. Saber-se que é bom ir, seja para onde for.

Lembro-me dos olhos dele, um certo dia. Sempre me lembro desses olhos, deveras eloqüentes, e mais verborrágicos que minhas palavras tortas. Sempre que eu dizia: “vamos?”, ele me respondia: “vamos... mas para onde?”. Minha resposta era sempre a mesma: “para qualquer lugar”.

Qualquer lugar.

É que não importava o lugar e, de fato, não me importa lugar algum. Eu só queria estar entre aqueles braços. Às vezes – muitas vezes – havia silêncio, e o mundo ao redor desaparecia, sob o olhar do Escorpião no céu, e os olhos de vidro das janelas da estação de trem, adormecida durante a madrugada. Mais nada. Todo o resto se apagava, paulatinamente, quando aquela cabeça me repousava nos ombros.

Meu coração repousava nas mãos dele, diminuto, como um brinquedo de criança.

Ainda repousa. Aqui, de longe.

Aqui de longe, morro de saudades. “The yearning burning”, como na música.

(...)

Como Penélope, bordo longas velas de navio. Conto as horas para que possa novamente naufragar naqueles olhos escuros como os meus. Negros de tanto olhar a noite.

Salaam
Layla