sábado, setembro 30, 2006

"Eis o melhor e o pior de mim"

Há muitas coisas para escrever, mas no momento não sei dizer de mim. Estou ocupada olhando para dentro. Tentando semear flores ao redor. Tentando matar monstros dentro de mim. Tentando celebrar os nascimentos. Tentando sepultar os mortos.

Meus olhos exalam amor e pavor. É uma briga imensa, de mim comigo mesma. Mas de hoje em diante, eu juro: jamais voltarei a alimentar os monstros que me consomem.

É muito difícil passar a vida culpando as pessoas para, afinal, dar-se conta de que o adversário habita nossa própria psique. Esse monstro que me olha com a mesma cara de sempre, e diz: "ah, estás feliz? Não se iluda. Não és especial". Ele me diz isso há 26 anos. E ele sorriu com seus dentes amarelos quando dormi chorando no dia em que fiz 15 anos de idade, olhando as estrelas e sentindo a fúria de um pai insensível. E ele sorria quando eu apanhava. E ele sorria muito a cada vez que mais lágrimas me vertiam dos olhos.

Hoje vou olhar para esse verme que me habita, e dizer: "És cego. Não enxergas o quanto sou especial. Sou sim. Eu enxergo".

Porque eu não vou "ser gauche na vida". Vou ser mulher, e continuar sustentando estrelas nos quadris, e parindo afetos, e parindo gentes, e parindo palavras.

Salaam
Layla

(Obs.: O título eu peguei emprestado de Marisa Monte. O "gauche na vida" peguei emprestado do Drummond).

sexta-feira, setembro 01, 2006

Do que se guarda em segredo

Certos detalhes são diminutos. E, diminutos, têm a capacidade de paralisar o dia. Paralisar o mundo à sua volta, converger toda a atenção para si. Tudo deixa de existir, e apenas o detalhe sobrevive: o detalhe, e as sensações que traz, as verdades que encerra, as descobertas que proporciona.

Dias atrás, sentei-me com um prato de sopa e um pão à hora do jantar. Liguei a televisão pois, como de costume, não gosto de refeições silentes e solitárias. Passava uma novela qualquer, num canal qualquer. E na cena, tocava-se um piano. Imediatamente, abandonei o pão e a sopa, estarrecida, diante da melodia longa, afrancesada e que me levou para a Paris imaginária de Amelie Poulain.

Deixei de existir naquele momento, diante daquele piano. Deixei de existir apenas para contemplar as coisas que jorravam de dentro de mim: uma espécie de saudade agridoce, mescla de urgência e felicidade. Pássaros em revoada arrebentaram-me o peito. Apenas a melodia, e o barulho daquilo que eu sentia: sons de sorrisos, de fados portugueses e bandoneons argentinos. Apenas a melodia, e imagens soltas: o sorriso que se abria como um envelope que traz boas notícias. A taça de vinho rosada como o pôr-do-sol de um dia de verão em que se deseja andar descalço e de mãos dadas. Imagens sem contornos, indefinidas como um quadro de Monet, dançavam no ar, ao som da melodia do piano.

Tive a sensação de que, naquele momento, se a luz se apagasse, meu olhar iluminaria cada canto da casa.

"É amor o que sinto", confessei aos olhos baixos, numa honestidade límpida, a mim mesma.

Salaam
Layla