sábado, abril 28, 2007

Do trabalho de parto

Uma grande amiga me disse há pouco que sou “muito mulher”. Exclusivamente mulher, eu diria. E não no sentido de ser uma “grande mulher”, completo eu, mas no sentido de conhecer apenas o feminino. Devo reconhecer que, desde que vim ao mundo, meu coração não conhece outra coisa além do yin, do emotivo, do sentimental, do passional, introspectivo... Sou mulher no sentido de não ter absorvido nada do masculino, propriamente dito. Não absorvi a razão. Nem o pragmatismo. Muito menos a objetividade. Menos ainda a capacidade de síntese, de descomplicar, de resumir, de simplificar, eu diria. Se tem algo que não sou, é binária. Não sei responder nada com um “sim” ou “não”. Para mim, nada é tão simples.

É muito difícil, diante disto tudo, relacionar-me com essa coisa tão estranha a mim chamada “homem”, essa coisa que sempre me foi ininteligível. Essa coisa que pensa e que sabe simplificar. Essa coisa que sabe ver alguém chorando e não acreditar que isto seja o fim do mundo – o choro é só o choro, mais nada, nada metafísico, uma glândula trabalhando, apenas isso. Não estou dizendo com isso que os homens sejam amorfos, sem sentimentos ou que nada lhes doa o peito ou crave espinhos. Estou dizendo que a maneira deles relacionarem com isto é tão diversa da minha, que quando convivo com eles, tudo me é muito complicado. E algo tenho a admitir: é a primeira vez na vida em que estou me relacionando, de fato, com um homem. Das outras vezes, eu convivi ao lado deles, mas não acho que houve relacionamento. Agora há. Agora é melhor. E agora dói.

Agora descubro porque tantas pessoas fogem do envolvimento. De fato, envolver-se é arriscar-se a perder a pele. É conhecer a angústia e a ansiedade. Estas são componentes indissociáveis da ventura advinda com a vivência de um amor.

É que a vida faz as coisas certas, e desenvolve os caminhos sempre sem erro algum. Eis que me vejo dividindo minha vida com um homem, no sentido estrito da palavra. “Muito homem”, assim como também sou “muito mulher”. Eis que o yin e o yang se encontram e se completam, muitas vezes, não sem choque.

Talvez por isso eu ande tão silenciosa. Ando introspectiva demais, olhando para dentro de mim e vendo as mudanças acontecerem. A necessidade de usar a razão, de ser objetiva, de ser prática, impõem-se com tanta força que muitas vezes não sei como proceder. É que, diante de situações que me exigem tal desenvoltura, eu só aprendi a sofrer. Agora me vejo diante de um gladiador romano que, ferido de batalha e com as mãos sangrentas, passa como um trator por cima das dificuldades que encontra. Isso é tão novo e, ao mesmo tempo, é algo tão intrigante. Algo que sinto que necessito aprender. Tenho a sensação de que esta convivência objetiva imensamente aprendizados recíprocos. Sinto que tenho que me alimentar do homem dentro dele, e de que ele deve se alimentar da mulher que há em mim. Porque somos tão unilaterais, mas não é possível viver desta forma. Tenho a sensação de que estou passando por um trabalho de gestação. Gestando aqui dentro uma nova criatura, que sou eu mesma. Uma criatura capaz de ser homem e mulher.

Que aprendizado difícil.

São tantas as situações em que essa gravidez me dá ânsias, faz meu corpo doer, deixa-me mais sensível do que sempre. Uma longa gestação de mim mesma. Estou morando em meu próprio ventre. E sinto que o trabalho de parto se inicia, muito duro e cansativo. Sinto-me ofegante em dar à luz a nova criatura. Sinto as entranhas se rasgando, mas ainda assim não desmaio. Quero ver os olhos do novo ser que nasce. Quero ver o sorriso dessa nova pessoa que só pode vir a ser mediante o encontro de Marte e Vênus.

É a primeira vez que me sinto, de fato, humana.

Salaam
Layla

Imagem: http://www.tudoemcima.hpg.ig.com.br/gravida.jpg