Sobre ler-se nos outros - III
leva anos
cinco jogando bola,
mais cinco estudando sânscrito,
seis carregando pedra,
nove namorando a vizinha,
sete levando porrada,
quatro andando sozinho,
três mudando de cidade,
dez trocando de assunto,
uma eternidade, eu e você,
caminhando junto
(Paulo Leminski)
O bom poema, para mim, é aquele no qual me vejo. É aquele que, uma vez lido, digo: sim, eu também passei anos carrregando pedra, andando sozinha, mudando de cidade. O bom poema é aquele que me dá certeza de que nesse oceano infinito em que vivo há outras gotas como eu. O bom poema é aquele que me faz sentir delicadamente humana. Humana de erros, nervos e sangue.
O bom poema é aquele que me causa vontade de pegar o telefone depois da meia-noite para recitá-lo a alguém que mora longe. O bom poema é aquele que dissolve a distância. Como uma constelação observada ao mesmo tempo por dois pares de olhos diferentes, silenciosos e longínquos.
O bom poema é aquele que nos emudece.
Salaam
Layla