sábado, janeiro 20, 2007

Sobre ler-se nos outros - III

um bom poema
leva anos
cinco jogando bola,
mais cinco estudando sânscrito,
seis carregando pedra,
nove namorando a vizinha,
sete levando porrada,
quatro andando sozinho,
três mudando de cidade,
dez trocando de assunto,
uma eternidade, eu e você,
caminhando junto

(Paulo Leminski)

O bom poema, para mim, é aquele no qual me vejo. É aquele que, uma vez lido, digo: sim, eu também passei anos carrregando pedra, andando sozinha, mudando de cidade. O bom poema é aquele que me dá certeza de que nesse oceano infinito em que vivo há outras gotas como eu. O bom poema é aquele que me faz sentir delicadamente humana. Humana de erros, nervos e sangue.

O bom poema é aquele que me causa vontade de pegar o telefone depois da meia-noite para recitá-lo a alguém que mora longe. O bom poema é aquele que dissolve a distância. Como uma constelação observada ao mesmo tempo por dois pares de olhos diferentes, silenciosos e longínquos.

O bom poema é aquele que nos emudece.

Salaam
Layla

quinta-feira, janeiro 18, 2007

Das presenças invisíveis

"Saudade é solidão acompanhada". Foi assim que disse meu querido Neruda. Ele que me entende há tanto tempo, e que tantas vezes já foi recitado ao telefone, justamente porque eu sabia que aquelas palavras tinham o dom de costurar fendas, fechar vales, e unir o que está distante.

Solidão acompanhada. É assim que me sinto. Não há ninguém nesta sala além do par de olhos negros que me observa há quilômetros de distância. Nada além da presença invísível. É quase tangível. Como se eu pudesse tocar, com braços de sonho.

É madrugada. Estou sentada diante da tela fria, e tantas borboletas azuis voam ao meu redor. Rodopiam, sobem e descem, aglomeram-se no teto. E a canção que toca é colorida, e vejo as notas saírem da caixa de som. A pintura de Boticelli balança os cabelos e sorri, e o quadro de Klimt encena há horas um beijo profundo. Vê o que teus olhos fazem com minha casa. Vê como ela se ilumina quando estás aqui dentro.

Salaam
Layla

quarta-feira, janeiro 17, 2007

Silêncio

Há tempos estou muda.

Início de ano, para mim, é assim: fechar os olhos, e enxergar o que há dentro. Sinto que passei tempo demais olhando para fora. Agora, olho meus abismos, meus monstros que lá continuam depositados, tento entendê-los e dissolvê-los... É este meu momento de semear flores dentro de mim. É uma necessidade. Uma necessidade silenciosa.

Em breve, volto a amontoar aqui minhas palavras.

Salaam
Layla