sábado, janeiro 31, 2009

Amar

Sei que nossa mostra de dança aconteceu há quase dois meses mas, mesmo que eu esteja consideravelmente atrasada, resolvi publicar aqui algo para que as pessoas saibam como foi o espetáculo. Como sou absolutamente suspeita, e também porque minha opinião sobre nosso trabalho todos já conhecem, resolvi me "apropriar" das palavras da jornalista Célia Musilli, disponíveis, entre tantos outros belos escritos, em seu blog, Sensível Desafio (http://sensivelldesafio.zip.net/index.html). Agradeço desde já a todas as pessoas que, mesmo de longe, enviaram-me bons pensamentos, desejaram-me sorte e estiveram presentes em intenção. Um beijo meu a todos vocês. A distância é mesmo bobagem e, como diria Cecília Meireles, um mar de estrelas se balança entre o meu pensamento e o de vocês.

Eterno feminino

Assisti à mostra anua da Companhia de Danças Árabes Rhamza Alli ontem à noite. Na primeira parte, a coreografia "Amar" - que significa lua em árabe - trouxe uma rica simbologia associada ao inconsciente e ao instinto feminino. A lua se relaciona ao ciclo de vida da mulher e aparece no balé em suas fases luminosas e também na representação de Lilith, a lua negra. É preciso ser um bocado lunar para perceber as sutilezas desta coreografia. À primeira vista, o público se sente mesmo atraído pela beleza dos movimentos e do cenário que traz projeções de imagens associadas à mulher, ao seu mundo consciente e inconsciente. Das emoções obscuras à luminosidade, os arquétipos estão todos lá, sob a forma de dança que celebra a sobrevivência do feminino mesmo em desertos inóspitos, condensando na arte a alegria de viver, os ciclos de fertilidade e reprodução.
A segunda parte trouxe danças folclóricas, abrindo a oportunidade de participação a alunas de diferentes estágios, reunindo em coreografias desde meninas até mulheres maduras. A dança do ventre é uma arte para todas as idades, algo que se equipara a saber fazer vinho ou perfume. A técnica, a sabedoria e o talento se aprimoram com o tempo. Este conceito é levado muito a sério na escola de Rhamza Alli, onde tive o prazer de estudar por quase dois anos, aprendendo dança e alguma coisa a mais sobre a feminilidade. A escola preserva a tradição, utilizando a arte como forma de expressão cultural, muito acima do sentido "midiático" que transforma a dança, muitas vezes, num "show de mulheres sensuais". Sensualidade todas têm de sobra, mas há nesta escola um cuidado ético de apresentar as meninas como meninas e as mulheres como mulheres. Em nenhum momento atropela-se a infância ou a maturidade. Coreografias e figurinos são adequados para revelar a dança do ventre como uma arte de celebração feminina, exercendo-se a beleza e a profundidade de um conceito que, na sua essência, beira o sagrado.


A terceira e última parte trouxe a dança tribal, que carrega a ancestralidade de uma arte única, que não brota só do corpo, mas da alma. Uma espécie de ritual em que a coreógrafa e bailarina Rhamza Alli se entrega à sua determinação de viver pela dança. Ela é uma expert neste estilo. Precursora da dança tribal no Brasil, certamente pode ser considerada uma das melhores bailarinas do gênero no País. Com técnica exímia, ela faz movimentos de difícil execução com uma graça e conhecimento que superam o caráter de "espetáculo." Seu ventre, braços e pernas não apenas se movimentam, vibram, numa espécie de transe artístico que desloca a atenção da platéia para situações que parecem apontar para dimensões mais sutis da criatividade. Não é apenas o seu corpo que dança, sua alma dança. E o que se vê é um balé bastante intuitivo, embora firmemente amparado numa técnica apurada por gerações e gerações de dançarinas nômades. É como se todas estas mulheres desembarcassem na contemporaneidade para celebrar o eterno feminino.

Por Célia Musilli
08/12/2008
Obrigada Célia!
Salaam
Layla
As imagens estão dispostas na seguinte ordem:
Primeira foto: Layla Badawya, "Badr" (Lua Cheia);
Segunda foto: Carol Kudse, "Layl" (A Noite);
Terceira foto: Rhamza Alli e Marciano Boletti, "Milaya Laff";
Quarta foto: são tantas meninas! "Raks al Juzur" (dança do jarro);
Quinta foto: Layla Badawya, Mariângela Bittar e Ãngela Cinda, "Raks al Assaya" (dança das bengalas);
Sexta foto: Layla Badawya, "Raks al Sayf" (dança da espada);
Sétima foto: Cia. Rhamza Alli, dança dos pandeiros, gran finale.
Crédito das imagens: Rafael Reina