quarta-feira, outubro 03, 2012

Cuánto será mi dolor

E todas as vezes que abro a blusa e, diante do espelho, vejo seios e pus, ao menos sei que não estou sozinha. Talvez a sombra de velhas índias que já morreram, de mulheres palestinas que perderam tudo; talvez o vulto de Frida Kahlo e de Violeta Parra me observem assim, com ternura, dizendo-me: vai, faz tua parte no mundo, a dor agora é tua, deixa que ela fecunde tudo, canta a tua dor, vive a tua dor, a dor é para os grandes... Os pequenos são poupados pelas mães, os pequenos não doém, dor é coisa de mulher, se você fosse menina não doía... Vá viver a sua dor, vá chorar a sua dor, chore em nosso nome, chore o que não tivemos tempo de chorar, chore os nossos ovários, que assim você ganha músculos, chore as suas vísceras, chore as nossas mortes e as tuas...

E aos 32 anos eu descubro o que é ser mulher, o que é ter os fios do corpo tecidos de Yin, o que é carregar esse lastro psíquico, essa longa cauda histórica, sauriana, atrás do meu útero... Aos 32 anos descubro que é como mulher que eu sinto e que eu vivo, que não é na cabeça que resolvo minhas coisas - embora minha cabeça vá sempre na frente - , é nos meus ovários, é na minha carne, é no meu estômago, nos meus pulmões; meus pulmões estão cheios de sentimento, meu amor se espalha pelos meus intestinos e virilhas, meu amor anda dentro do meu corpo, desce pelos pés, toma minhas mãos, me faz cozinhar, preparar o chá, e escrever cartas diárias que nunca serão entregues ao seu destinatário, embora possam, quem sabe, parar na retina doutros olhos, que se reconhecerão nos meus infernos e se sentirão menos sozinhos.

Eu não vou pulverizar minha dor... Recuso-me a desdizê-la, eu que carrego um cemitério no peito, dou-me o direito de chorar os meus mortos, botar-lhes flores pacientemente, dizer que queria que ficassem, que não tivessem ido... Dou-me o insano direito de preparar a mesa para esses mortos, acreditar clownescamente que não morreram, esperá-los para a ceia, dou-me o direito... Não quero ser essa pessoa asséptica, sem dor, sem flagelo, sem cortes, eu quero que vejam meus cortes, porque eles me definem, e é em nome deles que eu acordo todos os dias, em nome do que me falta, em nome do que apodreceu, que jaz no chão, esperando ser decomposto em matéria úmida, em nome da flor que nascerá ali...

É que a tua foto vai ficando amarelada de tanto eu passar a mão, de tanto eu fazer carinho, é isso... Ela foi perdendo a cor, de tanto ganhar carinho... De tanto ganhar carinho, foi perdendo os contornos, do toque das minhas mãos, do toque das minhas mãos, do meu açúcar, do toque das minhas mãos, do meu tempero, do meu doce, do toque das minhas mãos... Eu separei, separei um pote de halewi para te oferecer, mas você não come mais açúcar...



Maldigo luna y paisage,
los pueblos y los desiertos,
maldigo muerto por muerto
y el vivo de rey a paje,
las aves con su plumaje
las maldigo a sangre fría,
las aulas, las sacristías,
porque me aqueja un dolor.
Maldigo el vocablo amor
con toda su brujería,
cuánto será mi dolor.