
A menina de seis ou sete anos se aproxima da janela da lavanderia que fica no segundo andar de um sobrado. É a casa de sua tia. Acomoda-se perto do tanque, estica-se à ponta dos pés para poder olhar para fora. Dali, consegue ver outra janela: a da escola de balé, por onde as notas musicais atravessam o espaço, ganham o ar, projetam-se para longe. A música entra pela janela da lavanderia como se fosse trazida por uma imensidão de pombos-correios. São notas de piano. A menina é pequena e não consegue olhar direito. Mas a música, percebendo seu esforço, lhe faz um carinho e entra definitivamente em seus ouvidos, como se quisesse trazer uma boa notícia, vinda de longe.
A cena se repete frequentemente: a garota esgueira-se, apoia-se no tanque, espia e consegue ver alguma coisa. Acomoda-se ali, e ouve aquele piano. "Mãe, eu queria fazer balé...". Depois de alguma insistência, a mãe cede. A criança, deslumbrada, veste-se com a roupa das alunas, usa a meia-calça cor-de-rosa do uniforme, calça as inéditas sapatilhas. Um ano de aulas transcorrido, toma uma bronca da severa professora, pois não fica na ponta dos pés como deveria. Ao fim da aula, a professora se dirige à criança: "você sente dor para ficar na meia-ponta?". A menina lhe diz, envergonhada: "eu gosto de dançar, professora, mas eu queria dançar com o pé inteiro no chão".
Mais de vinte anos depois, o ensaio geral que antecedia o espetéculo de uma companhia de danças árabes era feito no grande salão de uma escola de balé. Nas salas adjacentes, outras alunas, todas na ponta dos pés, também ensaiavam, ao som do piano, que atravessava janelas e vinha acariciar os ouvidos de quem estava do outro lado da parede. A menina de quase trinta anos, com seus dois pés inteiros no chão e o ventre descoberto sente os olhos encherem d'água. Uma colega pergunta: "que foi?".
"Foi o doce, docílimo som da minha infância".
Salaam
Layla