quarta-feira, outubro 13, 2010

Dia das crianças

A menina de seis ou sete anos se aproxima da janela da lavanderia que fica no segundo andar de um sobrado. É a casa de sua tia. Acomoda-se perto do tanque, estica-se à ponta dos pés para poder olhar para fora. Dali, consegue ver outra janela: a da escola de balé, por onde as notas musicais atravessam o espaço, ganham o ar, projetam-se para longe. A música entra pela janela da lavanderia como se fosse trazida por uma imensidão de pombos-correios. São notas de piano. A menina é pequena e não consegue olhar direito. Mas a música, percebendo seu esforço, lhe faz um carinho e entra definitivamente em seus ouvidos, como se quisesse trazer uma boa notícia, vinda de longe.

A cena se repete frequentemente: a garota esgueira-se, apoia-se no tanque, espia e consegue ver alguma coisa. Acomoda-se ali, e ouve aquele piano. "Mãe, eu queria fazer balé...". Depois de alguma insistência, a mãe cede. A criança, deslumbrada, veste-se com a roupa das alunas, usa a meia-calça cor-de-rosa do uniforme, calça as inéditas sapatilhas. Um ano de aulas transcorrido, toma uma bronca da severa professora, pois não fica na ponta dos pés como deveria. Ao fim da aula, a professora se dirige à criança: "você sente dor para ficar na meia-ponta?". A menina lhe diz, envergonhada: "eu gosto de dançar, professora, mas eu queria dançar com o pé inteiro no chão".

Mais de vinte anos depois, o ensaio geral que antecedia o espetéculo de uma companhia de danças árabes era feito no grande salão de uma escola de balé. Nas salas adjacentes, outras alunas, todas na ponta dos pés, também ensaiavam, ao som do piano, que atravessava janelas e vinha acariciar os ouvidos de quem estava do outro lado da parede. A menina de quase trinta anos, com seus dois pés inteiros no chão e o ventre descoberto sente os olhos encherem d'água. Uma colega pergunta: "que foi?".

"Foi o doce, docílimo som da minha infância".

Salaam
Layla

4 Pitacos:

Blogger Naty Amora falou...

Simplesmente demais, depois de tantos anos que tenho meu blog, encontreei o seu com o mesmo tema, muito a ver comigo me identifiquei totalmente.
Eu sou dançarina do ventre, e adança tem grande significado naminha vida!!!
Parabéns pelo blog e convido-lhe a visitar o meu também!

10/18/2010 07:29:00 PM  
Blogger Elis teles falou...

ah...as lágrimas de nostalgias. Belas e tristes, né? tenho sentido isso também, de outras formas...por outros modos. Tenho lembranças de tempos não vividos...e saudades do que ainda vou viver. Caminhando, dançando e seguindo a canção, vem gi, vamos embora que esperar não é saber!!! Saiba que procuro nas suas palavras um desassossego confortavel, simples e complexo, banalidades raras...
um beijo!

10/19/2010 10:18:00 PM  
Blogger Carlota e a Turmalina falou...

Quando eu tinha meus dez anos tentei o balé.Foi tudo muito bem, inclusive as horas na barra, até chegar na ponta.Minha breve carreira de bailarina acabou aí :o)

11/14/2010 10:31:00 PM  
Blogger Layla falou...

Hehe... Turmalina querida, quando eu desci da ponta, aí descobri o que era dançar de verdade... :)
Uma beijoca!

11/21/2010 12:44:00 AM  

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