terça-feira, julho 14, 2009

A única maneira que concebo de levar minha vida com dignidade

é levar em conta os sentimentos dos outros. Ter os outros em conta. Em conta. Isto significa que alguém “significa”, significa que os outros possuem um fim em si mesmos, e não existem como meio para nada. Não existem como meio para mim.

Cansei de olhar para os inúmeros abrolhos que transcorri. Tenho sangue de mulher. Ando com os pés no chão, na terra. A terra da qual o homem foi feito. Mas eu não fui feita de terra, me disseram, eu já sabia, que sou osso de costela. Osso de costela... Mulher-esqueleto. Sou feita de osso, por isso, quando venta, não sou levada para longe. Não me desmancho. Tenho estrutura.

Achava em cada ilha onde chegava a imagem do paraíso. Então, queimava os navios, para não ter meios de voltar. O tempo passava, áspero, com sua adaga a ferir os sonhos. Já não havia barcos. Todas as vezes, voltei a nado. Exasperada. Nem sei como regressei à terra de onde eu mesma havia partido. Regressava para me encontrar comigo mesma, e sempre num estranho reencontro. Quando eu chegava, o outro-eu, a me receber, questionava: que queres aqui?

A única maneira que concebo, de viver minha vida com dignidade, é levar em conta os sentimentos dos outros. E os meus. Senão morro.

Continuo a queimar navios, porque é assim que deve ser. Cada navio em chamas evoca a imagem da minha própria responsabilidade. O fogo crepita, e me diz: “você é quem sofrerá as consequências”. Eu respondo: “eu sei”.

Sempre me tranquilizei pensando que, quando encontrar a ilha certa, não precisarei mais voltar a nado.

Hoje queimei duas caravelas.

Não sei para onde o vento sopra, mas ele não me levará, pois sou mulher-esqueleto. E, com meus ossos, aprendi a dançar. Andar. Não é mais necessário ser mulher-serpente, a marcar a terra com o próprio dorso. Quem tem um esqueleto decente pode, finalmente, caminhar em paz.

Salaam
Layla

Eu voltei

Voltei.

Devagar.

Salaam
Layla