sexta-feira, julho 23, 2010

Do cheiro dos jasmins

Persépolis é um daqueles filmes que guardo em minha caixinha de afetos. Elogios de crítica à parte (esses, podemos ler em todo canto), guardo lições desse filme muito particulares, que fazem vibrar cordas dentro de mim. E isso não se dá apenas por eu ser mais uma na infinitude de irmãs de olhos grandes e cabelos negros de Marjane Satrapi. Se dá também porque qualquer mensagem de sobrevivência do feminino em meio à adversidade me comove. Mais que a sobrevivência do feminino, para mim, Persépolis é uma lição do triunfo da ternura, da delicadeza e da sensibilidade em meio ao embrutecimento, a rudeza e a violência.

Marjane, que vivencia toda a brutalidade da Revolução Iraniana e os primeiros anos da guerra Irã-Iraque, sofre com os dilemas de viver no desconfortável espaço do "entre", sem sentir-se pertencente, de fato, a lugar nenhum. É considerada ocidentalizada demais no Irã, e oriental demais pelos europeus com quem conviveu quando deixou sua terra natal. Marjane foi uma grande contestadora, grande inconformada com a situação política de seu país, com a opressão vertical que sufocava, de cima para baixo, toda e qualquer manifestação de alegria. Até mesmo a música "não-religiosa" era proibida, algo que considero uma ofensa inominável diante da vastidão, musicalidade, simbologia, vivacidade da cultura persa.

A avó de Marjane é, para mim, o personagem vultuoso do filme - e da vida da garota. Com sua discrição, ensinava à pequena, desde sempre, preciosas lições para que a vida fosse vivida com dignidade. Quando Marjane se torna adulta, é a voz da avó, a orientá-la mesmo em pensamento, que faz com que ela se lembre sempre de quem é, de sua terra e de seu lugar no mundo. Numa cena inesquecível, Marjane conta que quando a avó ia se deitar, um cheiro suave de flores se espalhava pelo quarto: é que ela guardava jasmins dentro do sutiã para sentir o perfume quando fosse dormir.

A delicadeza dessa alegoria ainda está desenhada no fundo dos meus olhos. Todas as vezes que os fecho e vejo aquela chuva de jasmins, imagino o quarto perfumado, coroando a resistência daquela alma sutil diante do regime dos brutos. Aquela senhora viúva empenhava-se em manter sua dignidade inabalável e, mais ainda, mantinha intocada sua ternura: permitia-se, em meio à truculência, adormecer em meio ao cheiro dos jasmins... Criava, para si mesma, um jardim inabalável, que ninguém jamais poderia destruir.

Oxalá eu sempre tenha forças para adormecer em meio ao cheiro dos jasmins, mesmo que esteja diante da truculência da vida. Agradeço à avó de Marjane Satrapi por semear este cheiro de flores em minhas lembranças.

Salaam
Layla

Filme: Persépolis - direção de Marjane Satrapi e Vincent Paronnaud - França, 2007.






















Livro: Persépolis - Completo
De Marjane Satrapi
Tradução de Paulo Werneck
Companhia das Letras

1 Pitacos:

Blogger Carlota e a Turmalina falou...

Em épocas de jasmim minha mãe sempre os colhe para perfumar o quarto :o)

11/14/2010 10:28:00 PM  

Postar um comentário

<< Início