A que gera
Esta senhora a que me refiro é uma mulher em idade avançada, cujo nome eu nunca soube: chamam-na carinhosamente de “Vozinha”, apelido pelo qual ficou conhecida entre os alunos. Eu costumava encontrar Vozinha sempre diante da Central de Salas, onde ocorre a maioria das minhas aulas na faculdade. Lá estava ela com as cartelinhas de adesivos que vendia para arrecadar dinheiro para o próprio sustento. Que situação terrivelmente revoltante, pensava eu. Chegar àquela idade, onde merece-se descanso, e ser obrigada a perambular vendendo suas cartelinhas para poder sobreviver. O que me tocava era justamente isto: ela jamais esmolava, queria apenas vender as cartelas: “compre uma para me ajudar”, dizia. Só que havia algo em mim, lá no fundo, que ainda desconheço, que era terrivelmente tocado pelas palavras dessa mulher. Aquelas mãos enrugadas a me oferecer as cartelinhas com desenhinhos pueris. A pele marcada de sulcos como o chão árido e rachado, os olhos vivos como arco-íris. Esta era a impressão que eu tinha: seus olhos nunca ficaram velhos. Freqüentemente, eu comprava várias cartelas e saía a engolir grosso uma vontade terrível de chorar diante daquela cena. Sobretudo, diante daquela alegria que me desmontava: os olhos de ternura absurda, e a resposta sempre no mesmo tom: “obrigada, minha filha... já me ajudou bastante!”. Outro dia olhei para ela e disse: “não ajudei nada. É a senhora que me ajuda quando passa aqui”.
Ocorreu que, num dia qualquer, estava eu sentada numa mesa do lado de fora da cantina, à sombra. Ela veio oferecer seus adesivos como de costume; comprei só uma cartelinha porque estava sem dinheiro. Antes de ela ir embora, virei-me e perguntei: “Vozinha, espere um minuto... Eu vejo a senhora sempre, e nunca lhe perguntei o nome... Como a senhora se chama?”
“Ah, minha filha”, respondeu ela. “É um nome muito feio... Muito feio, minha filha!”. Como o Pequeno Príncipe, não consigo desistir diante de uma pergunta, e prossegui com minha investigação: “ah, Vozinha, conta pra mim. Não existe nome feio.” E ela: “bem... outro dia até encontrei uma moça com o mesmo nome que eu. Ela também tinha vergonha, mas também... É um nome feio minha filha. É Conceição o meu nome”.
Mais uma vez, uma ternura imensa me tocou, e não pude me furtar a sorrir para aquela mulher que não tinha ciência do peso do próprio nome... Talvez, em tantos anos de vida, nunca alguém lhe tivesse dito o que seu nome significa, o peso que contém, a força que carrega.
“Mas Vozinha. Conceição é um nome lindo. Significa conceber, gerar. Significa que a senhora é aquela que faz nascer. A senhora prepara o nascimento!”.
“Olha isso, minha filha...”, disse-me, surpresa. “Mas é mesmo? Olha isso... É nascimento? É verdade, eu não sabia disso!” – E partiu com suas cartelinhas, sorrindo, pelas vielas floridas de rosa e amarelo.
Posteriormente, procurei o nome no dicionário. Eis o que encontrei:
Conceição:
[Do lat. conceptione, por via popular.]
S. f.
1. Rel. A concepção da Virgem Maria.
2. Rel. A festa comemorativa dessa concepção.
Gostaria de encontrar a Vozinha hoje, perto do natal, para poder dizer: a senhora não é uma concepção qualquer. É a concepção da Virgem Maria, Vozinha.
Salaam
Layla
15 Pitacos:
Que coisa linda!!! É impossível não emocionar-me com suas palavras...
As vezes colocam essas epssoas no nosso caminho para q possamos nos atentar as pequenas coisas ou somos nós q somos colcoados nos caminhos para passar algo de bom, Nesse caso vcs trocaram alegrias e palavras boas!Tenho certeza q ela jamasi se esquecerá de vc!!!!É Demeter lhe falando.Lindo mesmo!!!!Vixe!
Concordo com a janamichels totalmente... Você tem o dom de me emocionar e pensar que talvez esse mundo ainda tenha salvação. Que ainda existe gente boa que saber ler os olhos e se revolta com tanta injustiça... Um grande abraço!
Oi lindinha
Acho que agora consegui!!!!
A conta é do hotmail.
Beijosss (cau.cps)
Estou aqui em SP. Algumas noites, após o trabalho, me deparo no terminal de ônibus com uma “vozinha”. Ela não vende cartelas de adesivos... ela pede docemente. Jesus! Como pode isso?! Vejo seus olhos muito azuis, seu lenço na cabeça, lembro minha vozinha. Como pode? A essa altura da vida... Altura da vida. Altura. Todas nossas vozinhas tinham que estar a uma altura de nós. Em um pedestal. Protegidos. E apenas nos ensinando. Lembro das mãos enrugadas, postadas como a receber um hóstia, aguardando o sustento mundano. Dilacera minha alma.
Minha Vozinha da Uel também usa lenço e tem os olhos cor de mar...
Pois é Layla, quem disse que as pistas para identificar os anjos são asas brancas e aureola dourada? Na verdade são os olhos que espelham o céu e o mar e lenço nos cabelos....
Amei conhecer seu blog.
Aceite meu abraço.
Oi lindona
Me envia um mail com seu msn, ok?
No cau.cps@hotmail.
Beijos preciosos
Quanta energia boa, existe em sua casa...Tantas palavras sábias!!! Amei!Me visita:http://www.guerreira.blogger.com.br/index.html
Olá!
Procurava eu um canto para meus pensamentos e achei o seu antigo blog.
Gostei tanto de muitas coisas que disseste que me presto a deixar de ser leitor virtual passivo para declarar-te aqui a mais profunda e grata constatação do que muito se diz e pouco se vê hoje em dia.
Ainda há pessoas como você no mundo!
Ainda há esperança!
Obrigado!
Querida Layla, já te disse o quanto considero o seu blog especial? Vc tem mesmo o dom com as palavras. Não apenas a palavras bonitas, mas aquelas que sabem tocar o coração. Aproveito a oportunidade para te desejar um Natal maravilhoso e um ano novo de muita renovação. Bjs.
Layla, estou sentindo tanta falta dos seus posts...
Um super 2007 procê
Olá Layla estava visitando e lendo vááários blogs e achei o seu x)
suuper bonito os textos que vc escreve
principalmente esse último x)
achei suuper tocante* (?)
rs*
li algumas coisas também no outro (weblogger)
enfim, parabéns x)
Beeijo
Mrs. Tyler
Você não me conhece, alias nem eu te conheço, mas achei super interessante o seu texto de abertura, principalmente por se tratar de um livro que eu não conhecia e que agora estou muito curiosa para ler. Posso até dizer que você me ajudou, pois com certeza, abriu minha mente.
Com sinceridade te desejo muita paz e sucesso!
Olá Laila...
Faz tanto tempo que vc não escreve.
Sentimos falta...
=)
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