quinta-feira, julho 06, 2006

Da desimportância - ou: Sobre não fazer diferença às demais pessoas do mundo

O meu amor não tem
importância nenhuma.
Não tem o peso nem
de uma rosa de espuma!

Desfolha-se por quem?
Para quem se perfuma?

O meu amor não tem
importância nenhuma.

(Cecília Meireles, “Inscrição na Areia”)


É muita ousadia minha achar que um dia sairei deste limbo. Achar que um dia encontrarei um coração despedaçado como o meu, pronto para ser costurado pelas minhas mãos.

Linha e agulha em mãos, e eu sou boa costureira. Ofereço meus préstimos de artesã, um afago à madrugada, sonhos esfacelados como num quebra-cabeça em que se perderam peças. Poesias mal escritas por minhas mãos analfabetas e de má caligrafia, meia garrafa de vinho, aberta; música francesa que dá um tom dolorosamente elegante ao meus rosto de linhas tristes. “Tens belas feições, minha cara”, disse-me um amigo que tentava ser gentil. “Amiúde, são tristes”, completou, com aquele ar de quem nada podia fazer.

Não seria melhor me resignar, de vez? Comodamente, sentar-me diante da refeição noturna, com um semblante apático e insosso, degustá-la em solidão e, em seguida, ver os e-mails de ninguém, e pegar no sono para que, no dia seguinte, tudo se repita? Não seria melhor acomodar-me nisso, sem almejar nada mais especial, visto que a vida parece andar dizendo: “Não és especial! Não és especial!”...

O fato é que me coloco, uma noite mais, à janela, ouvindo as mesmas músicas, pensando as mesmas coisas, e sentindo a reincidente e esfacelante sensação de desimportância. Parece que me reduzi à poeira de mim mesma. Parece que, nestes momentos, a força que trago nos olhos só existe sob a forma de vestígio. Tiro minha máscara de mulher espartana, entra em cena a boneca de trapos, vítima de seu incurável pessimismo.

Mais uma noite em que não consigo pesar o que vale, e o que não vale a pena.
Mais uma noite em que, como Cecília, eu sou gota de mercúrio, dividida, desmanchada pelo chão.

Salaam
Layla

7 Pitacos:

Blogger Lu falou...

Fundo do poço acontece e tem saída, acredite. Mas você quer sair? Às vezes eu não queria, vai ver por isso demorei tanto para sair. Acreditava em soluções rápidas, indolores e 100% felizes, que não existem. Acho que ser feliz é administrar as coisas boas (que esquecemos), as tristezas, as dores, o sucesso, o incerto e por aí vai. Bjs.

7/06/2006 12:55:00 PM  
Anonymous Anônimo falou...

pela centésima vez talvez, lê as palavras daquela mulher desconhecida, que soam tão dolorosamente familiares desta vez. Ela gosta do jeito de escrever da outra, das palavras que usa, sente um certo afeto em imaginar a dona das palavras.

Olha a foto onde a outra escreveu sobre dança: um daqueles corpos bonitos é o dela. Ela olha a foto imaginando quem é "a do meio" já que o meio exato da foto está vazio. Que pensamento bobo, pensa, e continua lendo, alguns posts mais familiares, lidos várias vezes. Porque nunca escrevi aum comentário? talvez medo de ser indelicada, talvez timidez.

Pensa em outras janelas onde ela mesma ficava ouvindo música. E parte, fechando o blog sem desejo de fechar, só com vontade de permanecer mais um pouquinho ali, onde a outra escreve.

7/08/2006 03:10:00 AM  
Blogger Brisa falou...

Querida

Qual teu desejo?
Formule claramente o que desejas...
Tens poesia e sentimento, letras e coração suficiente para grafar em lágrimas de esperança e sorrisos de certeza o que queres.
Virá!
Acenda a luz, abra a janela para o dia, sinta a brisa a levar teus cabelos para longe e pentear diluindo todos os pensamentos tristes!
Deixa teu coração planar nas alturas, purificando-te ao sol, no céu azul!
Mereces ser feliz!
Um beijo

7/08/2006 10:29:00 AM  
Anonymous Anônimo falou...

Hoje me sinto como você, como Cecilia...

Sou gota de mercurio, dividida, desmanchada pelo chão!

É tão difícil assim? Pq?

Um dia encontraremos as respostas

Só espero que a amargura e o torpor não tenho tomado conta de nós!

7/10/2006 08:26:00 PM  
Blogger caracteresdifusos falou...

Lindo esse espaço, profudo, sentido e votado à reflexão. Gostei.
Abraço.
Caracteres

7/13/2006 02:33:00 AM  
Blogger Geeta da Luz falou...

Layla espartana
Layla boneca de trapos
Layla Ser
Só conheço um lugar onde a imensidão, a delícia e a abundante alegria de não ser nada, nem ninguém é exuberante e verdadeira, mística e simples.
Este lugar é aos pés do Mestre,do Amado, entrega na presença irradiante de um Ser Iluminado, entregue Àquele que se encontrou, se realizou, onde a aceitação total reside e nada foge aos planos eternos da Existência.
Longe disso, mundos de fúria e vazio de sentido, de vida, de verdade. Seja na Dança, na Psicologia, em qualquer canto. Mundos bordeados pelo ego e limitados a tudo o que a mente compreende, abarca e consegue dar nomes, palavras, formas...
E a realidade pra mim só se apresenta quando desses mundos saio e mergulho na vastidão do Todo, onde vazio e desimportância são apenas palavras e o que vibra e impera é o próprio Ser, a Vida em si, selvagem como ela é.
Compartilho aqui a minha janela preferida: a do coração. Mirar através dela sempre transforma o mundo. Assim me ensinou meu Amado... a quem sou infinitamente grata!
Hare Om Shanti Om
Fica em paz selvagem mulher
Geeta

7/25/2006 02:44:00 PM  
Blogger Mme. A. falou...

Não sei se vai me fazer muito bem ler os textos do seu blog. Ao mesmo tempo em que é bom poder me reconhecer no sofrimento e nas dúvidas de outrém, ao mesmo tempo em que vejo que não sou só eu quem tem esses problemas, essa necessidade louca de sentir, de ser, de me tornar alguma coisa que sei que está em mim mas que teima em se esconder dos meus olhos.

Compartilho a desilusão, a falta de esperança, o olhar perdido na janela, mas adiciono que simplesmente não sei o que quero e tenho pleno conhecimento disso. Fico aqui do lado de dentro da minha casa, numa eterna fase de transição. Tenho tantas coisas que muitas pessoas ainda desejam, mas me arde uma coisa dentro, uma coisa que me deprime e me diz que ela ainda falta. Talvez não tenham inventado uma palavra para o que isso seja. Ou talvez essa eterna insatisfação seja causada pela covardia que me toma nos inícios de tarde e me faz preferir ficar dentro desse mundo protegido. Tenho o que quero mas ao mesmo tempo quero mais. Querer o que, meu deus?

Até as canções francesas são as mesmas. Será que musettes realmente foram feitas para gente que sofre, para gente que quer mais sem saber onde ir para buscar essa coisa que falta?

Vou parar senão fico louca. Faz dias que me pergunto tudo isso. Faz anos que realmente não sei onde estou indo. Ou se realmente vou. Tem horas que acho que somente estou parada. Observando. Olhando a banda.

Será que um dia muda?

Vou parar senão fico louca.

Depois volto. Quando estiver menos vulnerável e menos qualquer coisa escura.

Ótimos textos. Parabéns. Vou colocar seu link lá no meu blog para não me esquecer.

8/02/2006 10:44:00 AM  

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