terça-feira, março 07, 2006

"Vou ser feliz e já volto"

E com essa frase à la Paulo Miklos, me despedi de minha rotina. Numa sexta feira, 17 de fevereiro, iniciei uma temporada de “fazer coisas felizes”. Eu precisava disto. E venho aqui informar o resultado de meus dias de “living la vida loca”, nada ortodoxos, mas necessários. Há muito que eu não parava para fazer essas coisas, essas pequenas-grandes coisas por mim. Boas experiências que aqui serão descritas.

IT’S ONLY ROCK AND ROLL

Os Rolling Stones são, sem dúvida, minha banda de rock preferida (na verdade, a banda nacional preferia é o Nenhum de Nós, devo mencionar para não ser injusta). Aliás, é algo que extrapola os limites racionais, e torna-se uma coisa sentimental mesmo. Os acordes de Tumbling Dice, Honky Tonky Woman, Mixed Emotions (e taaantas outras) me acompanharam em muitos momentos memoráveis – para não mencionar Gimme Shelter, talvez a música que eu mais tenha cantado em toda a vida e, de longe, minha preferida, de todo o repertório deles. Eis que na tal sexta-feira, 17 de fevereiro, arrumei minha mochilinha e fui me encontrar, pela primeira vez na vida, com essa banda com quem namoro há tanto tempo. Minha banda mais querida. Meus Rolling Stones.

Lá fui. Após as 14 horas de viagem que separavam a Pequena Londres do Rio de Janeiro, muitas coisas se desenrolaram. Antes do show dos Rolling Stones, eu decidi mudar algumas coisas em minha vida (e as coisas apenas começavam... porque essa viagem mudou coisas demais, revirou outras, construiu e destruiu ao mesmo tempo).

Foi estranho o meu primeiro contato com o tal Rio de Janeiro. Eu demoro a me acostumar com lugares novos (adaptação rápida não é bem o meu forte), de forma que, paulista no exílio, me senti um pouco deslocada. Mas três coisas eu não posso esquecer. Primeiramente, as montanhas. Chegando ao Rio, deparo-me com aquela paisagem nunca vista, de montanhas imensas, verdes, cujo cume muitas vezes se envolvia em nuvens. Tá, parece bobagem, mas em minha vida eu nunca havia visto aquilo, de forma que foi hora de parar para pensar como Deus é mesmo bondoso de nos dar um presente desses. Passei uma parte da viagem babando, e depois voltei ao normal, mas ainda extasiada com aquele relevo fantástico. A segunda coisa com a qual me impressionei foi a diferença de ares daquele lugar. Uma e pouco da tarde, paramos para almoçar num restaurante perto da praia, e eu jurava que lugares como aquele não existiam, só podiam ser invenção da rede globo. Mas não. Eles existem. Bares velhíssimos, onde se almoça e depois fica-se vendo a vida passar, por horas a fio, bebericando-se uma cerveja. Meu way of life paulistano não compreendia aquilo direito... E de fato, ainda não compreende.

A terceira coisa... foi o Mar. Assim, com letra maiúscula.

Sempre tive medo de água. Desde criança. Bastava-me a visão daquelas cenas submarinas na tv, para que o ar faltasse. Isso me causou algumas vergonhas memoráveis ao longo da vida. Entretanto, naquela tarde de sábado, eu resolvi que sentiria o gosto do mar nos meus pés. Tive a impressão de ouvir Deus falando como havia falado a Moisés: “tire as sandálias, pois a terra em que pisas é sagrada”. Tirei-as, e pus-me a caminhar na praia, enquanto as ondas, antes de morrer na areia, afagavam-me os pés.

Um momento de solidão inescrutável. Indiferente às famílias que brincavam com os filhos, aos casais que passavam de mãos dadas, eu olhava para o Mar que não tinha fim. As palavras abaixo foram escritas nesse dia, na caderneta que carrego comigo e na qual costumo registrar coisas que não quero deixar passar.

Foi um grande impacto estar a sós com o mar. A sós com minhas emoções mais recônditas, emoções imensuráveis. Eu sempre tive medo de água. E medo das minhas emoções. Entretanto, ele estava ali, diante de mim, como um amante de olhos cálidos, e convidou-me: “perca o medo de mim”, ele dizia.

Fitei-o como quem fita o primeiro amor. E, como quem se depara com o primeiro amor, não pude resistir. Tirei as sandálias. Ele me chamou, eu fui.

Nesse instante, lembrei-me de inúmeros fados que já ouvi. A imensidão do mar cantada como uma metáfora para os sentimentos... Percebi que, em minha vida, a situação é a mesma. Como estou diante do mar, estou diante do amor. E ambos, amor e mar, têm o mesmo assombro e a mesma profundidade. A mesma imensidão. Se eu mergulhar fundo, como não sei nadar, padecerei. E, molhando-se apenas os pés, fica a sensação de incompletude. É aí que hesita-se entre a morte certa e o gosto de falta na boca.

Como temo o amor, temo o mar. Como já tinha os pés no mar, tinha já amado. E foi assim que, naquele lugar, constatei que já tinha um gosto de amor na boca, tanto quanto já tinha água nos pés.

Sou ínfima diante do mar. Ínfima diante dos meus sentimentos.


Esse diálogo com o Mar marcou meu diálogo com meus sentimentos. Sentimentos aflorados nos últimos tempos, e que eu ainda não compreendo. Foi um momento de percepção das coisas que se desenrolam dentro de mim, e compreendi que há coisas das quais não se pode fugir. Não se pode fugir de coisas do tamanho do Mar.

Ali, eu percebi... Meus sentimentos são assim... Do tamanho do mar. Grandes o bastante para que eu naufrague. Grandes o bastante para que eu me assuste. Suficientemente grandes, para que eu me sinta viva, deveras viva.


...E AS PEDRAS ROLARAM

E à noite, naquela mesma areia, eu vi minha adolescência se desenrolar... Não apenas minha adolescência, mas uma parte da história do século XX, da contracultura, do bom e velho rock and roll... Da música que mudou o modo de ser, de pensar e de agir da geração que a viu nascer.

E eles tocaram os clássicos... Daqueles que davam gosto de encher a boca e cantar junto. Pena que não teve Gimme Shelter. Mas tudo bem, se tivessem tocado essa, tudo seria perfeito, e perfeição não existe nesse planeta. Senti-me tão contente com aquilo... Música é mesmo um antídoto poderoso contra o cinza da vida.

No dia seguinte, pus novamente a mochila nas costas, rumo à minha amadaidolatradasalvesalve São Paulo.


DOS LAÇOS QUE NÃO SE DESFAZEM
ou
COM QUE PALAVRAS SE DESCREVE UM AMOR INESGOTÁVEL?

Para quem não sabe, eu tenho duas famílias. Uma, biológica, e outra, dada pela vida, como um presente daqueles pelos quais se agradece pela eternidade.

Quando eu era adolescente, minha relação com minha família biológica era deveras sofrível. Meus pais não sabiam como lidar com uma pessoa tão diferente deles. De fato, eu não refletia o pensamento de ninguém da família, e recusava-me a vê-los como espelhos ou como parâmetros. Nessa época, a presença da Ana (que é minha prima láaaa de não sei que grau), Bete (que é mãe dela, e minha também, a partir de então) e Paulo (irmão da Ana, filho da Bete) era constante em minha vidinha, e com eles construí laços indissolúveis. A partir deles, vieram outros, e o círculo alargou-se: os amigos da Ana e da Bete tornaram-se também imprescindíveis a mim. E assim eu passei uma adolescência adorável, em meio a uma família adotiva, mais parecida comigo, que o destino fez o obséquio de botar em meu caminho. Desde então, tantos anos se passaram, eu saí de São Paulo, vim cair aqui no Paraná... Mas deixei lá um pedaço do meu coração, que vou visitar sempre que posso.

Hoje, a relação que tenho com minha família biológica é melhor. Com minha mãe, finalmente, posso contar como uma amiga, o que era impensável na adolescência. Apesar das rusgas normais, as coisas tendem a entrar nos eixos, quando se percebe que nada há para se fazer – eu sou mesmo diferente deles, e acabou, tento respeitá-los como são, e espero receber o mesmo.

Quando posso, visito minha “família adotiva” e, via de regra, tais visitas costumam mexer bastante comigo. Desta vez, não foi diferente.

Primeiramente, porque foi uma viagem no tempo: encontramo-nos, depois de dez anos, eu, Ana, Rogério e Urso, integrantes de um clã lendário cujos elos o tempo não esfacelou. Era como se minha adolescência desfilasse diante dos meus olhos, e como se eu tivesse 15 anos... O bom é que cresci, as coisas boas ficaram, e outras coisas boas vieram. O Urso, o que dizer dele... Há tantos anos sem contato, e ainda somos os mesmos, e hoje certamente ele me é ainda mais querido que antes. Acho que não posso viver distante do otimismo dele, e da sua força espartana que sempre tem palavras para levantar a cabeça da rainha Gorgo (sim, pois, apesar de rainha de Esparta, ela tem lá seus dias difíceis...). Além do que, devo ressaltar aqui, só tenho amigos de bom-gosto: na casa dele, eu pude folhear verdadeiras relíquias do Asterix (em francês, dá licença? ahah), manusear sua coleção de espadas e me refestelar nas folhas de um livro de gravuras do Dore... (Além do que – ocupações menos culturais – contribuí para baixar o nível das garrafas de Amarula e licor de rosas – ah, adoro essas bebidas árabes, esta última me dava a impressão de beber perfume...).

Reencontros e mais reencontros, com pessoas deveras queridas: Tânia e Zazá, Ita... Confraternizamo-nos em mais uma memorável sessão de macarrão com gerimum (iguaria típica de nossa cozinha – parece estranho, mas uma hora vou pôr aí a receita e vocês verão que não, não somos loucos, o negócio é fantástico mesmo). Nesse dia, reencontrei o Paulo e sua família, e a sensação desses encontros é mesmo muito peculiar. Uma grande família, como as árabes, com um monte de irmãos... Bem, é o que somos, ao fim das contas.

Muitos bons momentos foram registrados nesses dias. Entretanto, a quinta-feira (23/02) foi memorável, por tudo de bom que fizemos juntas, eu e Bete. Em nosso passeio, pude almoçar no Gopala Prasada (restaurante vegetariano Hare Krishna que fica perto da Rua Augusta, e onde podemos, realmente, degustar uma comida di-vi-na). O lugar é maravilhoso, cheio de pétalas de rosas no chão... Eu não sabia se olhava, se admirava, se chorava ou se comia. Na dúvida, fiz tudo isso.

Ao fim do dia, assisti um filme que mudou minha vida e que gostaria de recomendar a todos: o documentário “Quem somos nós” (“What the bleep do we know”). Eu adoro física quântica (como boa junguiana, não poderia ser diferente), mas nunca havia assistido algo tão tocante e comovente sobre este assunto. O documentário mescla explicações teóricas sobre alguns conceitos de física com passagens fictícias que tornam mais fácil sua compreensão. Mas a história é adorável, os participantes do documentário são adoráveis, é tudo demasiado humano, tocante e singelo.

Tão humano, e tão tocante, que não pude evitar pensar em minha própria condição ao assistir esse filme. Lá estava eu, me vendo na tela. Traumatizada, enrolada na própria vida, tentando me soltar de grilhões de ressentimentos... Ou, como o próprio filme diz, bombardeando minhas células com peptídeos lancinantes...

Chorei bastante. Lavei a alma de dentro para fora. Acho que assim, pude enxergar melhor algumas coisas. “O universo objetivo é criado por nós”. E é assim que construímos nossos dias, todos os dias. Pensei demais nisso. A realidade não existe de forma independente de seu observador... O que eu estou fazendo com meus dias? Jogando tantas coisas boas que tenho fora, só porque alguém não me achou especial o bastante? “I wish I was special...”. Mas eu sou. Ao meu modo. Independente de aqueles a quem tanto considero acharem ou não o mesmo.

É sempre dolorido me despedir de tanta gente querida... Quando voltei para Londrina, o fiz contente/triste. Lembrava das pequenas coisinhas:

Bete: “Ela é minha filha adotiva... Você sabe o que é uma filha adotiva?”
Felipe, filho do Paulo, 5 anos: “Sei! É uma filha adulta!”

Layla: “Ai, que lindo, Felipe... Esse presente é para mim?”
Felipe: “É...”
Layla: “E o que está desenhado aqui?”
Felipe: “É uma máquina de fazer animais... Aqui tem um tubarão... E um jacaré, com a boca aberta...”

(...)

Saudades. Amo vocês.

Mas eu tinha que voltar.
(Tinha?)


(LITTLE) LONDON CALLING

Cheguei no dia 26/02, também conhecido como domingo de carnaval.

Quanto aos acontecimentos ocorridos nesse dia, eu descreverei apenas que eles fizeram com que, logo na segunda feira, eu me retirasse para uma chácara numa cidade vizinha, com amigos queridos, para pensar na vida. Cheguei a algumas conclusões. Primeiro, que não se pode fugir daquilo que está dentro de nós. Muda-se o cenário, mas isso não altera coisa alguma. Descobri que há pessoas que habitam o nosso lado de dentro, portanto, são carregadas conosco. É claro que isso é óbvio. Mas agora eu tenho a prova empírica.

A segunda conclusão é a de que é nem tudo pode ser como queremos. Mas, de alguma forma, pode ser. Talvez não a forma com que sonhamos... Mas temos que respeitar o curso natural da vida.

A terceira conclusão é a de que, definitivamente, eu choro demais.

(Sim, a viagem de feriado foi boa... Luz de velas à noite, violão bacana e eu cantei os blues que há tanto não cantava. Janis, sempre ela. Me fazendo desejar que o tempo voltasse. Fazendo quem escuta se lembrar do amor impossível que não pôde ser vivido. Janis, com gosto amargo, e ao mesmo tempo, doce: ah, isso eu conheço muito bem).

Obs.: Lígia, Romerito, Camila: o que seria de mim sem vós?

1 Pitacos:

Anonymous Anônimo falou...

Descansaste só a cabeça pelo visto ;)

A impressão que dá é que ficaste uns 3 meses de férias, aproveitaste cada milésimo de segundo.

Um ano mais tranqüilo pra ti desta vez.

Até.

3/08/2006 10:30:00 PM  

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