quarta-feira, março 15, 2006

Da sagrada arte de se juntar pedaços

Lembro-me de uma aula de psicanálise em que a professora disse algo que jamais pude esquecer. Pela lógica, essa constatação seria um apontamento freudiano. Entretanto, não me lembro direito quem proferiu tal frase.

“Há uma diferença entre angústia e tristeza. Angústia é uma sensação de perda iminente. Tristeza é uma constatação de que a perda é irreversível”.

Compreendo bem, hoje, essa diferença. Nesta fase ao mesmo tempo dolorida e benfazeja que atravesso, e na qual pensar sobre os caminhos de minha vida se torna atividade inevitável e necessária.

Acho que vivi angústia demais. Tristeza demais. Quando me deprimo deveras, meu corpo quase sempre responde à altura. É a hora de cair doente, e parar para analisar a situação. São os avisos que o corpo dá de que as células não estão suportando determinada situação, e que é necessário revertê-la em prol da sobrevivência. Nossas panes corporais têm muito a nos dizer. Minha labirintite, quando volta com toda a força, fazendo a casa girar, me mostra a necessidade de se retomar o equilíbrio... Equilíbrio.

Abrir o livro de minha vida e consultar as páginas pregressas é, via de regra, desolador. Entretanto, deparar-me com essas perdas que me marcaram não é um passatempo inútil. Ao contrário, mostra-me que tais perdas não me mataram – antes, foram caminhos para transformações profundas. Em muitas páginas de meu livro, lá estava eu, agulha e linha em mãos, no exercício da automedicina, costurando feridas abertas, sem anestesia... gritando de dor. Nas páginas seguintes, o corte ia sendo cicatrizado, os pontos se fechando... A sagrada arte de se juntar os próprios cacos.

É normal que se crie expectativas e que se coloque a felicidade fora de nós, algumas vezes. É errado, mas é normal. Afinal, tendemos a esperar algo de bom dos outros, tendemos a acreditar em quimeras, e isso é próprio da condição de humanos. Entretanto, quando a ilusão se desmancha, cumpre que nos voltemos àquilo que é perene em nossas vidas. Eu passei esses dias pensando nisso. No que é perene em minha vida, e no que é transitório.

É perene a dança. É perene a cura que se realiza a cada vez que boto nos dedos os címbalos, e que faço com meus quadris o mundo ter razão e ter continuidade. É perene a relação com os livros. É perene a alegria inefável de se abrir as páginas tolkienianas e deparar-me novamente com as canções dos hobbits, assim como é inefável a sensação de ler os escritos do Jung e sentir-me compreendida. É perene minha fé. Sem maiores comentários.

Dança, livros, fé.

Família.

Amigos (outra família).

De como lidar com perdas... Algumas irreversíveis (tantas foram...), outras não. É questão de “dar tempo ao tempo”. Foi o que disseram...

Eu não vou fechar nenhuma porta. O dia em que a felicidade chegar, não vai precisar sequer bater. Vai encontrar a casa aberta, a mesa posta, e meus ouvidos atentos ao barulho de seus passos.

Estarei esperando com a melhor roupa. O melhor perfume.

Mas, para isso, é necessário limpar essa sujeira toda, e colar caco por caco, novamente.

Salaam
Layla

10 Pitacos:

Blogger Lu falou...

Muito amadurecimento, heim. Não tarda essa tal felicidade aparecer. Aliás, acho que consigo ver resquícios dela em vc. Bjs grandes.

3/15/2006 10:15:00 AM  
Blogger Brisa falou...

Oi querida!

Fico feliz de vê-la bem! Há felicidades ilusórias e há o bem estar perene, que, como disseste, tem sede em nós, não nos outros.

Obrigada por compartilhar!

Um beijo e uma brisa!
Um sorriso ! ;)

3/15/2006 11:28:00 PM  
Anonymous Anônimo falou...

Estou precisando colar os cacos também... Tudo está quebrado, e espalhado... Dará muito trabalho limpar, mas vale eu tentar!

Beijos e até mais!

3/16/2006 07:31:00 AM  
Anonymous Anônimo falou...

É como o texto das borboletas... Não correr atrás delas, mas plantar flores para que elas se aproximem. (estou aprendendo também)

Um ótimo fim de semana...

Fique bem.

3/17/2006 08:28:00 AM  
Anonymous Anônimo falou...

É como o texto das borboletas... Não correr atrás delas, mas plantar flores para que elas se aproximem. (estou aprendendo também)

Um ótimo fim de semana...

Fique bem.

3/17/2006 08:28:00 AM  
Anonymous Anônimo falou...

"Tinúviel estava lá a dançar
Ao som invisível flauta
E o brilho das estrelas luzia-lhe no cabelo
E bruxuleava-lhe nos vestidos."

3/18/2006 01:32:00 AM  
Anonymous Anônimo falou...

Felicidade é acima de tudo educada...não entra senão convidada..e pior, ela pode não saber qual botão do elevador apertar...felicidade não bate nem vem a porta, agente pega pela mão e traz pra dentro...
boseh!

3/18/2006 04:50:00 AM  
Blogger Layla falou...

Ah, mas deixa ela dar sopa, que eu agarro mesmo. Não tenha dúvida... É que ela é uma moça difícil. Hoje ela até deu um pulo aqui em casa. E sempre reclama quando não abro a porta logo que ela toca o interfone...
Ah, a felicidade podia vir sempre...
:)
Boseh...

3/18/2006 05:54:00 AM  
Blogger janamichels falou...

Não perca tempo. Ao menor sinal, deixe-a entrar mesmo. E olha... segredinho... não a deixe escapar mais!
Beijos!

3/18/2006 06:41:00 PM  
Blogger Renata (Mirka) falou...

Olá!
Consegui Tumbalalaika na versão do filme...
Linda de viver!
Se quiser, é só fazer contato e damos um jeito de compartilhar o arquivo!
Beijs

Mirka

3/19/2006 10:01:00 PM  

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