segunda-feira, março 20, 2006

Chuva de palavras

Paixão, desengano, carinho, fé, abandono, otimismo, queda.

Caem as palavras torrencialmente, molhando os cabelos da moça que usa uma trança entre seus cachos soltos. As palavras molham-lhe a pele, escorrem-lhe pela face, amontoam-se, encharcadas, a seus pés. A moça tropeça em sílabas, em lamúrias. Dor, desalento, compaixão, notas musicais. Sinfonias em dó maior. A moça atrapalha-se com tantas palavras caídas no chão, molhadas, revirando-se em corrente. Sobe a barra do vestido para poder caminhar até o banheiro entre o piso banhado de palavras.

O banheiro do bar. O banheiro desse bar. Ele já a conhece. É o espelho que a fita, uma vez mais, disparando contra seus olhos palavras duras.

“É você de novo? Ainda não aprendeu? Ainda não aprendeu que é melhor ficar em casa lendo um livro? Ok, se não aprendeu, volte à sua mesa, e arque com as conseqüências. Vá lá, e sofra. Mas sofra com classe. Sofra como as mulheres árabes que ignoram a aridez do deserto em que vivem. Sofra como as mães portuguesas que encaram o Tejo esperando que seus filhos voltem. Sofra sem que ninguém perceba que atrás dos teus olhos pintados de negro há uma alma em frangalhos. Sem que ninguém se dê conta de que atrás do vestido negro há um coração esfacelado. Vá lá, cante as músicas que a banda toca, beberique um vinho tinto. Vá lá, volte para a mesa, tire as mãos da pia, levante os olhos.”

A moça levanta os olhos. Fita o espelho. Ele continua seu discurso.

“O que será que há de errado com você, é o que você se pergunta... Vá lá. Vá, e lembre-se do Drummond: se tua canção não deu certo, foi o ouvido dele que entortou. Sim, você soube cantá-la. Talvez um pouco desafinada, é o natural. Mas você cantou direitinho.”

A moça volta à sua mesa. Caminha pelo bar, mais uma vez, molhando os pés nas palavras caídas no chão. As palavras que não cansam de chover. Amor. Desamparo. Amigos.

A palavra “amizade” lhe cai no colo. Ela a segura nas mãos. Por que, hoje, essa palavra parece doer tanto?

Em meio à enxurrada, ela busca uma possível palavra “amor”, tenta segurá-la... Mas ela foge. Chega a pensar que conseguiu apanhá-la, em meio ao mar de letras, mas se engana. O amor se esquiva, e esbarra nos pés de outra moça, sentada em outra mesa.

“Essa palavra não era para mim”, pensa. “Nunca foi. Haverá de ser, um dia?”, pergunta-se.

Eis que passa, boiando, ao seu lado, uma palavra sem significado. “Próprio”, diz ela. A moça toma a palavra em mãos. E a palavra “amor” chega em seguida. Flutuando, devagar. “Amor próprio”. É o que resta. É o que há.

Na solidão vazia da mesa do bar, o amor próprio lhe acompanha. O desafeto rasga-lhe as entranhas, e cada nota da música que a banda toca corta-lhe em mil pedaços malfeitos, como que reduzindo seu ego a ínfimos fragmentos.

Amor próprio. É o que resta. É o que há. É o que sobrou, na enxurrada de palavras. Na solidão silenciosa de mais uma madrugada em que a cama, novamente, não será dividida.

Salaam
Layla

23 Pitacos:

Blogger Renata (Mirka) falou...

Esse é o único amor que não te abandona!
Só você é capaz de mantê-lo por perto!
Seque suas vestes, tire os sapatos se preciso for!
Quando você se der conta, a chuva já passou...
Quando você se der conta, o seu lugar na cama está quente, pois o seu amor (que não é o próprio) deu uma saidinha pra pegar um vinho tinto pra vocês!

3/20/2006 05:31:00 PM  
Blogger Layla falou...

Ô Mirka... O primeiro sorriso que eu dei hoje foi agora, lendo teu comentário.

3/20/2006 06:20:00 PM  
Anonymous Anônimo falou...

Quero te fazer um pedido talvez não tão incomum. Faça uma seleção dos teus escritos e leve até um editor, e publique um livro. Com certeza eu compraria um exemplar.

3/20/2006 08:43:00 PM  
Anonymous Anônimo falou...

Eu também compraria!
Você escreve muito bem!
=]]]
Ah, e lembre-se: nunca estamos sós!

3/20/2006 09:04:00 PM  
Blogger janamichels falou...

Com certeza eu também compraria. Vc está entre os meus blogs favoritos. Todos os dias passo por aqui... Sou sua fã...

3/20/2006 11:15:00 PM  
Blogger Layla falou...

Pessoas, agradeço o elogio ao meu amontoado de letras... Continuarei parindo palavras, e agracia-me saber que elas são o fio que me une a tantos de vós. Obrigada...

3/21/2006 01:31:00 AM  
Anonymous Anônimo falou...

Oi moça bonita!!

Aviso: estou voltando ao espaço cybernetico que nos une. Vou colocar velox e voltarei aos nossos saudosos papos. Avise a Brisa, avise ao mundo que eu esgtou voltando, cheia de saudade e cheia de carinho para distribuir. Vamos voltar aos velhos papos heim?

Bjos

Lakota

3/21/2006 12:17:00 PM  
Anonymous Anônimo falou...

Olá Layla
Por uma Brincadeira do destino,
acabei encontrando seu blog.
Adorei os contos (ou estorias) como preferir.
Mas estou deixando esse comentario,
apenas para parabeniza-la pelas palavras escrita de forma tão objetiva e profunda (a mim causaram grande emoçao) !!

Parabens novamente
Abraços !!

3/21/2006 03:00:00 PM  
Blogger janamichels falou...

Querida Layla, sinto-me honrada em ter recebido uma visita sua em meu cantinho. Obrigada pelos conselhos. Nesses momentos difíceis, qualquer palavra de consolo funciona como um bálsamo. E uma amiga, ainda que virtual, é uma bênção divina. Beijos!

3/21/2006 09:32:00 PM  
Anonymous Anônimo falou...

Me arrepio toda vez que leio...
Tu é demais guria.
Bj

3/22/2006 09:36:00 AM  
Anonymous Anônimo falou...

pohhaaa, meu!

vc escreve suuuuuuuperr bEEm!!!

noss

mtu show mesmo, sem sknage!!!

q isso... amei... amei D++!!

mtu chique...

bjU
continhue assim, viu? vc vai looonge!!

***Passa no meu blog?? tem algumas frases lah!!***

F
U
I
!!!

3/24/2006 08:21:00 PM  
Blogger Carlota e a Turmalina falou...

Oi lindíssima....
Falando em escritos e dores e tal, fico parecendo repetitiva ao dizer que lendo O caçador de pipas , penso muito em vc!
Beijos

3/25/2006 12:47:00 AM  
Anonymous Anônimo falou...

Eu lembrei de uma frase de uma música do Cazuza, que não sei se cabe, mas foi dela que lembrei.
"Na privada vou dar com a minha cara
De panaca pintada no espelho
E me lembrar sozinho
Que o banheiro é a igreja de todos os bêbados"

Abraços

3/26/2006 10:10:00 AM  
Anonymous Anônimo falou...

curti muito a introdução do seu blog, sobre desejo selvagem e antídotos. muito interessante.

3/26/2006 03:22:00 PM  
Anonymous Anônimo falou...

Nossa seu blog tá d+ e vc escreve d+! Eu descobri isso já faz algum tempo q tenho a mim msm primeiro como companhia, confiava muito nos "amigos" e acbei quebrando a cara, digamos q tomei um antídoto... bjinhos

3/26/2006 04:09:00 PM  
Anonymous Anônimo falou...

caraca meo qui sofrimento. disculpa e sinseridade, mais issu é falta di pica

3/27/2006 05:38:00 AM  
Blogger Layla falou...

Deve sobrar pinto para você, Lika (isso é nome?). Está te fazendo um bem danado. Por exemplo, te faz sentir bem ao ponto de entrar no blog alheio e achincalhá-lo com teu português semi-analfabeto. Te faz ser insensível a ponto de reduzir a infelicidade alheia a falta de sexo... É que você é banal como o resto do mundo. Prefiro ficar sozinha, se a opção for gente como você - o que, aliás, tem por aí, aos montes. Infelizmente, tua burrice e tua grosseria não são privilégios só teus.

Em tempo: A palavra que dá início a uma frase deve ser necessariamente grafada com letra maiúscula. O pronome possessivo *meu* (estou sem aspas) termina com U, e não com O. *Desculpa* é grafado com letra E, e *sinceridade*, com C. O *mas*, conjunção adversativa, escreve-se sem o I, pois esse *mais* com I dá idéia de acréscimo. O pronome demonstrativo *isso* termina com a letra O. A conjunção *de* escreve-se com a letra E, e *pica* é um nome tão chulo que você deveria ter escrito *pinto* mesmo - igualmente feio, mas menos chulé que o supracitado.

3/27/2006 06:03:00 PM  
Anonymous Anônimo falou...

Já tinha comentado antes, mas depois desse comentário tão baixo, não poderia deixar de comentar outra vez...
Amei a resposta Layla!
Pessoas que não tem o que fazer adoram esse tipo de coisa... Pura inveja e falta de cultura.
Ela no mínimo não deve ter entendido o texto, que aliás está magnífico!
Adoro visitar blogs com conteúdo e textos emocionantes...

Beijos!

3/27/2006 06:18:00 PM  
Anonymous Anônimo falou...

Também adorei a resposta, Layla... Só acho que essa tal de "lika" não vai entender nada, ahahhaha... Quantos anos tens, "lika"? uns 10?


Sobre o texto... Estou aprendendo, e descobrindo oco é maravilhoso poder contar comigo... Por mais que pareça solitário.

Um beijo.

3/29/2006 09:13:00 AM  
Blogger Lu falou...

Querida, você tem um dom maravilhoso com as palavras! E, sim, escreva um livro, que terá sempre um leitor disposto a desvendar os teus sentimentos. Continuo a torcer por você. Bj grande!

3/29/2006 09:38:00 AM  
Blogger Renata (Mirka) falou...

As pessoas têm mania de ligar todos os males do mundo a falta de sexo!
Espinha na cara é "falta de pi***"...
Ciclo menstrual desregulado é "falta de pi***"...
Eu sou gay e canso de ouvir que isso é "falta de pi***"...
As vezes penso que a humanidade está perdida!

Após um longo suspiro de desapontamento, deixo aqui um beijo e a velha frase do Chaves que eu adoro e mostra a leveza com a qual devemos lidar com essas coisas:

"Conta tudo pra sua mãe, Kiko!!!"

3/29/2006 08:05:00 PM  
Anonymous Anônimo falou...

Oi, Laila.
Presenteei duas pessoas com os textos de Clarissa P. Estés e Fernando Pessoa que recolhi em teu blog. As palavras fizeram rir e chorar, agradaram e emocionaram e como chuva ou fogo já se espalharam.
Como vc já escreveu "incrível é a palavra".
Seres humanos não são só carentes de bom sexo e boa companhia. Tb carecemos de boas palavras. E tomara que haja chuvas torrenciais delas por aí (pq neste blog, elas já fazem um dilúvio há muito anos).
Há braços, minha amiga na mente, nas palavras e no coração.

3/31/2006 05:00:00 PM  
Blogger Unknown falou...

Olá, Layla.
Nem sei como cheguei no seu blog. Acho que "caçando" Clarice. O fato é que esse seu texto é um dos textos mais bonitos que eu já li. Pena que vc não escreva tão amiúde nos deixando órfãos dessa chuva de palavras tão bonita que brota de você.
Nunca deixe de escrever.
Saudações.
Marco.

10/09/2008 07:07:00 PM  

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