quinta-feira, janeiro 19, 2006

Das flores que rompem o asfalto

Eu sou uma pessoa feliz. Nunca pensei que fosse afirmar isso com tanta propriedade um dia. Pela primeira vez, dou-me o direito de administrar essa pequena porção de felicidade sem medo algum. Sem medo do tombo, sem medo do que pode acontecer depois. Por muitas vezes eu trouxe obrigatoriamente meus pés de volta ao chão, alegando que isto seria mais sensato, mais inteligente e mais interessante que manter a cabeça em nuvens. Hoje, não consigo ser diferente: eu própria sinto o gosto das nuvens em minha boca, e vi que isso é bom. Pela primeira vez, ainda que meus pés toquem o chão, o gosto de nuvem persiste.

Sou feliz porque aprendi a viver honestamente. Aprendi a expor o que há de melhor e o que há de mais assustador em mim. Sou feliz por ter percebido que há momentos em que esta é a única atitude possível. Sou feliz porque arco com as conseqüências do que é fato. Arco com tudo aquilo que implica ser a mulher que sou. Sou feliz porque não me arrependo. Porque não quero ser diferente.

Sou feliz, sobretudo, porque acredito em milagres. Daqueles milagres que ocorrem aos montes, e nos quais ninguém presta atenção. Sou feliz pela lua branca, de beleza quase ofensiva, a engolir-me, a conversar comigo, enquanto passa a brisa na sacada. Sou feliz pelas estrelas que me olham de cima. Sou feliz porque consigo conversar com elas, e ouço o que elas respondem.

Sou feliz porque acato com o coração as surpresas da vida. Porque não as questiono. Porque quero sorver até a última gota desses gratos momentos inesperados. Clarice Lispector, certa vez, escreveu: "Mergulhe fundo como mergulhei. Não se preocupe em entender. Viver ultrapassa qualquer entendimento". Sou feliz porque, hoje, entendo o que isso significa - e o significado é de uma doçura inefável.

Sou feliz porque as flores continuam nascendo.

"Passem de longe bondes, ônibus, rios de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios
garanto que uma flor nasceu.
(...)
Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio."

(Carlos Drummond de Andrade)

Salaam
Badawya

3 Pitacos:

Blogger Lu falou...

Uau, que bom te ver assim feliz. Felicidade para mim é isso, sempre o real. Bjs e fds.

1/20/2006 04:11:00 PM  
Blogger Carlota e a Turmalina falou...

Oi querida amiga maravilhosa
Eu passei muito tempo desta minha vida procurando respostas e para quê?
Respostas à parte aprendi aos poucos o que realmente significa desprender-se...e assim fui me desprendendo de muitas coisas e não sinto falta de nada.
Prefiro parar e contemplar sem a preocupação de entender!
Um grande beijo

1/20/2006 10:04:00 PM  
Blogger Renata (Mirka) falou...

Ai Layla, preciso parar de ler isso aqui!

Em 29 de março de 1992, aos 17 anos, eu escrevia em meu diário: "Renda-se como eu me rendi..."

3/20/2006 09:27:00 PM  

Postar um comentário

<< Início