quarta-feira, agosto 15, 2012

A mulher e a casa

Tua sedução é menos
de mulher do que de casa:
pois vem de como é por dentro
ou por detrás da fachada.
Mesmo quando ela possui
tua plácida elegância,
esse teu reboco claro,
riso franco de varandas,
uma casa não é nunca
só para ser contemplada;
melhor: somente por dentro
é possível contemplá-la.
Seduz pelo que é dentro,
ou será, quando se abra;
pelo que pode ser dentro
de suas paredes fechadas;
pelo que dentro fizeram
com seus vazios, com o nada;
pelos espaços de dentro,
não pelo que dentro guarda;
pelos espaços de dentro:
seus recintos, suas áreas,
organizando-se dentro
em corredores e salas,
os quais sugerindo ao homem
estâncias aconchegadas,
paredes bem revestidas
ou recessos bons de cavas,
exercem sobre esse homem
efeito igual ao que causas:
a vontade de corrê-la
por dentro, de visitá-la.

João Cabral de Melo Neto, 
in: "Quaderna"

Pergunto-me o que farei com meus "espaços de dentro", com meus "vazios", com o "nada". Meus recintos e áreas, meus corredores e salas. 
Que não há maior alegria para uma mulher-casa que ter suas varandas rasgadas pelo encontro, por uma visita inesperada. Tais como as visitas noturnas que trazem consigo uma espécie de felicidade lunar, uma luminosidade níger. 
Que minhas íris necessitam ser cortadas de novo por esse fio de azeite, essa lâmina dourada de beleza que emanasse de outros olhos-tâmara. 
A espera, aprende-se. Dança-se a espera. Come-se.
Salaam
Layla